Falando perfumês: Ambergris, Castoreum, Civet e Musk: materiais de origem animal e seus sintéticos.

Na noite do 19 de março começou a pós-graduação em Cultura do Perfume na Faculdade Santa Marcelina. Faz parte do programa uma série de aulas práticas com a perfumista Mônica Rossetto. O objetivo é conhecer matérias primas e estabelecer uma memória olfativa — nas palavras da própria Mônica é “aprender a falar perfumês”, ou seja, nomear aquilo que o nariz identifica e em geral não sai da cabeça, arrumando termos descritivos para as sensações.

Fitas

As quatro fitas da aula. Comecei a marcar data e hora para acompanhar mudanças no detalhe mas me distraí com a discussão — mau aluno.

O grupo de alunos é heterogêneo em idade e objetivo, alguns já atuam na área e querem se aprofundar, outros exploram a possibilidade de um novo campo de trabalho. Todos apaixonados por perfumaria, sem medo de participar e expor opiniões. A primeira aula foi dedicada a apresentar alguns materiais históricos de origem animal: musk, ambergris, castoreum e civet. Os três últimos ainda podem ser obtidos mas não são usados pela grande indústria pela dificuldade de manter um suprimento contínuo para a produção do perfume. Hoje a opção é por materiais sintéticos patenteados, ou seja, cada material é de uso exclusivo da casa de fragrância que o produz.

Cervo almiscareiro

O cervo almiscareiro.

Começamos por um musk — em português chamado almíscar — obtido de uma glândula de um cervo asiático, o cervo almíscareiro. Conhecemos um sintético com o sugestivo nome de Nirvanolide. A primeira impressão foi de um material pesado: embora a fita estivesse com cerca de um centímetro molhado era preciso puxar o ar com força para sentir algo. Um componente de notas de coração e fundo, que demora para se desprender da pele. Tem um cheiro granulado, talcado, macio, aconchegante — não por acaso é usado em amaciante de roupas. Fazia parte das instruções levar as fitas para casa e acompanhar alterações: no dia seguinte a diferença era drástica, o cheiro agradável do musk podia ser sentido a um metro de distância da fita.

Cachalote

O literário cachalote aparece no Pinóquio, no Moby Dick e mostra sua enorme cara também na perfumaria. Aqui um filhote fila uma carona.

Então passamos para o ambergris. Em origem é a secreção estomacal da baleia cachalote, que teve um momento de fama no Moby Dick e que falei mais neste post. Também que atende pelos nomes comerciais de Ambrofix ou Ambroxan. É o mais estranho dos quatro, no momento da aula tinha cheiro de acetona, pontudo, químico, sintético, provavelmente do próprio solvente. Essa característica ainda está presente quase 48 horas depois mas é possível perceber um aspecto amadeirado e seco no fundo, como a Mônica destacou que é seu caráter principal.

Castor

O castor prepara um dique.

Castoreum de origem natural foi o mais rico em opiniões na sala devido a suas várias facetas. Como o nome indica matriz natural é o castor, precisamente na glândula que fornece óleo para manutenção dos pelos. Logo de saída parecia conserva de azeitona, depois couro e tinha também um aspecto azedo que me lembrou madeira molhada. Uma aluna concordou, disse que era o cheiro do local em que a família guardava barricas de cachaça a envelhecer, cheio de madeira e sempre molhado. Mônica ainda citou um aspecto defumado, de fumaça. Tudo numa impressão espessa, oleosa e quente, foi meu favorito. Enquanto musk e ambergris são mais laboratoriais e assexuados, no castoreum aparece algo de vivo, reconhecível, com que se pode relacionar.

Civet

Uma das espécies de felino chamado civet.

O mais polêmico foi o civet, que também conhecemos o sintético, naturalmente encontrado em certos felinos asiáticos com o mesmo nome. A primeira impressão era totalmente fecal, rapidamente passou para naftalina, depois para um estágio tratamento de canal e então mau hálito, no que me parece vários degraus da mesma coisa. E veio a surpresa. Quase 48 horas depois da fita ser molhada a impressão era delicadamente floral, como uma flor já no último dia de vaso, que você cheira a caminho da lata de lixo. É pouco mas está lá: floral. Bela viagem tendo saído de onde saiu. A professora explica que se usa em doses pequenas e a diferença é enorme, serve para dar “um sopro de vida” na composição, algo de humano, de familiar.

  • Uau! Meu sonho é fazer essa pós-graduação. Mas moro muito longe de São Paulo. Só ficando milionária ou passando em outro concurso aí.

    Legais essas descrições. Deve ser muito bom conhecer os ingredientes assim, sozinhos, já que geralmente só podemos sentí-los no produto final, já misturados a tantos outros ingredientes.

    • Helen, facilita bem a vida, sim! um jeito para “isolar” os materiais na cabeça é achar alguns perfumes que tenham o mesmo material e procurar a linha comum.

      A Perfumaria Paralela tem cursos livres para apresentar matérias primas também, vc consegue acompanhar a programação pelo FB deles: http://www.facebook.com/PerfumariaParalela

      E é possível comprar via internet de um site americano, coisa que ainda vou fazer por curiosidade. Aquela complicação porque não entrega no BR. Claro, não se compara a uma grande aula e a trocar impressões, mas sem dúvida ajuda. http://shop.perfumersapprentice.com/

  • Incrível o post! Estava aguardando ansiosa por ele!!! Impressionante as alterações dos aromas com o tempo não? E Dênis, você me convenceu sobre a Chanel… Acabei de adquirir o N°19, e experimentei o Cristalle. Difícil falar dele, mas lá no fundo tem uma semelhança, embora pouca, com o Cuir de Russie. Vamos marcar mais alguma coisa?

    • Esse comentário / conclusão da Diana por si só merece um post para concluir a história. 😉

      • edu, a diana foi em casa para trocarmos umas amostras de perfumes. e ainda me forneceu dez flaconetes vazios. disse que chanel nunca tinha convencido ela e bastou uma espirrada do cuir de russie, o couro mais chic e soberbo, para ela mudar de idéia.

    • haha, bastou uma espirrada do cuir de russie para mudar tudo. cristalle é maravilhoso, vou comprar um em breve. escrevi um pouco aqui http://1nariz.com.br/2013/01/11/resenha-cristalle-chanel/

      o 19 acho duro e massacrante, nada a ver com os perfumes fofinhos de mulher simpática. lindíssimo. marcamos alguma coisa sim, mas na volta, estou em berlim.

  • Ui, seu chique!! Espero um Jicky de presente, ou um Joop! Le Bain (claaarooooo!!!, a ousada louca, brincadeira). Menino, descobri um lugar pra comprar Chanel… (EDT e Tester, mas a preço de bala de goma)… Volta logo!

    • ó, testei hoje o cristalle edp e n° 19 edp e os dois são de chorar de alegria. o 19 edt eu fazia muxoxo, mas com o edp comecei a fazer umas contas…

      • Meu 19 é EDT, mas pego hj um Cristalle EDT. Feliz!!! São de chorar mesmo!!!

      • Meu 19 é EDT, mas pego hj um Cristalle EDP. Feliz!!! São de chorar mesmo!!!

      • Imagina a hora que vc conhecer o extrato então. É o melhor de todos! Apesar de que eu gosto do edt, a iris dele me é bem interessante. O EDP tem mais gálbano que iris para mim. Mas a do extrato, é uma iris extremamente macia e aconchegante (o do atual, pois o vintage tem bastante gálbano)

  • Que delícia de post! Hum, bom, delícia não define, mas você entendeu. rs Olha, não estive presente na aula (não tenho CNH de teletransporte), mas aprendi muito daqui, viu? Não esqueça da gente e continue trazendo essas descobertas todas pra nós, hein!

    • Vanessíssima, vou postando sim, pode deixar! hoje vai ter um rolê atrás de perfumes, em breve tenho novidades.

  • Denise

    Adorei, me deu vontade de fazer este curso mas moro em BH, se souberem de algo por aqui.

    • Denise, em s. paulo já é complicado suponho que em bh seja ainda mais. sabendo eu publico aqui, pode deixar.

  • Mau hálito, por favor.

    • ops, ops! acredita que tinha explicado a regra corretamente logo depois de escrever? vai entender.

  • Marlon

    Dênis, você conhece o Musc Kublai Khan do Serge Lutens? É a combinação de todos as essências animais que você mencionou e rosas. Muitas pessoas referem sentir notas fecais, e outros odores corporais humanos… Eu acabei de adquirir um vidro, juntamente com um Kyoto e um Avignon e confesso que não consigo parar de usar o MKK. Parabéns pelo blog!

    • Marlon, uau! Conheci recentemente, é brutal, maravilhoso e difícil de usar. Senti esses outros odores que você se refere mas acho que a camiseta de dormir fica mais confortável no terceiro dia de uso, quando tem cheiro de pele, então tá tudo em casa. Estou pensando seriamente em comprar. Obrigado por acompanhar.

  • Se você quiser experimentar ambrox/ambroxan em um perfume Dênis, o Not a Perfume da Juliette Has a Gun é uma diluição dele, sem nada a mais. A Le Labo chegou a fazer um também o Another 13 e o perfume feito em colaboração com o Karl Lagerfeld para a Steidl e inspirado nos aromas dos livros, o Paper Passion, é carregado nele. Eu tenho a mesma percepção que a sua do Ambrox/Ambroxan, que é a de um aroma que começa com um cheiro que remete a acetona/esmalte mas que vai adquirindo nuances amadeiradas, ambaradas e luminosas conforme passa o dia. A fixação dele é excelente, o rastro também, e parece ser um aroma muito agradável ao olfato; quando usei o another 13, fui mais de uma vez elogiado com ele.
    Castoreum é uma delícia, o aroma oleoso de azeitonas dele é bem interessante quando combinado, por exemplo, a patchouli. A impressão defumada e de couro para mim são a mesma, tanto que castoreum é um dos materiais que era utilizado como possibilidade de criação do acorde de couro em perfumes clássicos. Civeta talvez seja de todos o que eu menos gosto, ela é bem evidente para mim no Jicky e parece acentuar o lado mais seco da lavanda (eu a percebo mais na concentração edp atual que na edt, que é bem mais lavanda e menos civeta).
    Tem um material de aura animálica mas de origem vegetal que é bem interessante: costus. Ele tem cheiro de pele, de cabelo, um leve quê de animal limpo e vivo. Combinado com outros aromas cria uma aura bem interessante. É outro que era empregado em perfumes clássicos e que hoje vc não acha tão fácil.
    Dos que vc citou, vc também consegue achar musk natural, entretanto é caro e, como os outros, além de ter saído de moda é um material visto com maus olhos devido a exploração inescrupulosa no passado.

    • o ambroxan é um que não consigo gostar sozinho, não passaria da fita para um pedaço de pele. me parece que é mais uma boa idéia (fazer um perfume de uma molécula só) do que um bom perfume. mas gostei do vetiverol que faz um dos escentric molecules, esse toparia arriscar.

      • Olha, uma coisa que eu posso te aconselhar é nunca testar somente na fita. A forma como os materiais acabam se revelando e transformando na pele é bem interessante. E o efeito do ambroxan é curioso, a forma como ele atrai a atenção das pessoas pela aura que ele projeta na pele. Vale a pena fazer o teste, te garanto 🙂

  • Pingback: Resenha: La Fille de Berlin, Serge Lutens | 1 nariz()

  • Dênis, parabéns por ser tão coeso e conciso em suas colocações!
    Adorei este post.

    Fiquei curiosa para sentir essas “matérias-primas”.
    Aromas de origem animal sempre me despertaram paixão, e mais do que nunca, desejo conhece-los.

  • Pingback: Resenha: Muscs Koublai Khan, Serge Lutens | 1 nariz()

  • Adriana, obrigado! foi muito legal ter contato com elas em separado. acho que se organizando dá para conhecer nas fórmulas mesmo, tendo dois para comparar e achar o denominador comum. acabei de escrever sobre um bombasticamente almiscarado, veja aqui: http://1nariz.com.br/2013/05/06/resenha-muscs-koublai-khan-serge-lutens/

  • dedé

    oi denis, sou fã de seu blog, que comecei a ler por causa da nina horta, e amei esse post. por favor continue nos contando sobre as aulas. uma dúvida: havia castoreum na fórmula original do opium? o que mudou nela? sabe, tenho um pouco de vergonha de dizer, mas embora adore perfumes, não há nada nesse mundo que me transporte e mova meus sentidos mais do que o opium. conheci na década de 70 e foi o grande vetor do despertar do meu interesse pelo assunto. um dia vc escreve sobre ele? sei que muita gente acha datado… eu acho um clássico, divino! um beijo!

    • Dedé, fui testar o Opium e diria que tem castoreum ainda hoje, ou algum acorde muito parecido com o castoreum. Conheci o Opium recentemente então não sei dizer sobre como era antes.

      Mas essa semana mesmo li que ele foi reformulado e se parece pouco com o original — uma comparação que vc pode fazer melhor que eu. Nessa mesma linha tem o Youth Dew da Estee Lauder (que não sei pq não é vendida no Brasil), cheio de especiarias quentes e potente. tendo a chance vale a pena conhecer. é um estilo que eu gosto, sem exageros de uso é maravilhoso. um beijo!

      • dedé

        oh denis se puder, conheça o opium original! é como relar a pele em alguém que vc deseja tanto que dói mas ainda não beijou….. muito obrigada pela sua resposta! um beijo

  • Pingback: Candy, Prada | 1 nariz()

  • Pingback: Entrevista (e um curso) com a perfumista Mônica Rossetto | 1 nariz()

  • Pingback: Muscs Koublai Khan, Serge Lutens | 1 nariz()

  • Fernanda Lins

    Pena que apenas o ambergris é cruelty free. Evito perfumes com essas matérias. Recentemente descobri que a The Body Shop trabalha com Musk sintético. Estou usando e adorando. Uso o White Musk Libertine!

    • Dênis Pagani

      Será que o castoreum também, Fernanda? ele é uma praga no Canadá que tem caça liberada para controle de população. Mas não sei sobre a extração do castoreum do bicho. Você sabe?

  • Pingback: Cheiro de papel, de gráfica e de biblioteca: Paper Passion, íris e baunilha | 1 nariz | é sobre perfumes()

  • Pingback: Resenha: Infusion d’homme, Prada | 1 nariz | blog sobre perfumes, resenha de perfume()

  • Pingback: Resenha: Eau de Monsieur, Annick Goutal | 1 nariz | blog sobre perfumes e resenhas()

  • Pingback: Resenha: o couro de Hermès Bel Ami e uma novidade: Bel Ami Vétiver | 1 nariz | blog sobre perfumes e resenhas()

  • Sky Le

    Olá Dênis, boa tarde!

    Estou a tentar descobrir que nota de perfume me remete à naftalina.
    Sinto esse cheiro ao usar o Chloe e o Jacomo For Her, o que me incomoda muito.
    Comprei o Chloe no escuro e infelizmente não consegui usá-lo por ter a impressão de ficar sentindo a tal naftalina o tempo todo na minha pele.
    Aconteceu o mesmo com o Jacomo, também não consegui usá-lo. Desapeguei os dois.
    Segue as notas dos dois perfumes:

    Chloe:

    Notas de cabeça: Cedro, âmbar e mel.
    Notas de coração: Flor de magnólia, lírio do vale e rosas.
    Notas de fundo: Peônia rosa, frésia e lichia.

    Jacomo for Her:

    Topo – Bergamota, jacinto verde, lírio selvagem ou lírio d’água
    Coração -Espinheiro branco ( cartaegus), ylang-ylang.jasmim-do-imperador, rosa
    Base – Âmbar, sândalo, cedro, patchuli, vetiver, feijão tonka
    Será que eles possuem esse Civet mesmo que não descrito nas notas?

    Letícia.

    • Sky, não sei dizer, faz tempo que testei o Chloé (Jacomo não conheço) e não peguei naftalina nenhuma, eu precisaria testar novamente pensando nisso. Mas é possível que tenha civet sem estar nas notas, sim, para reforçar a impressão floral. Também pode ser uma ilusão olfativa, uma combinação de notas que te dá essa sugestão. Quando passar por uma loja vou testar os dois e volto para comentar.

    • Felipe Almeida

      Moth-ball = Naftalina

      “Isolated indole has a musty, weird moth-ball smell that is a little stale, reminiscent of decay, like something has gone off and you can’t really pinpoint what it is.
      In presence of humidity and musky compounds it can become a little much,
      reminiscent of the ambience of a…toilet. In a way an “Eros &
      Thanatos” concept. It’s interesting to note that a common derivative is the amino acid
      tryptophan, calming neurotransmiter serotonin’s percursor and an
      essential amino acid in the human diet. (It’s isolated in caseine which
      is found in dairy products, but also in chocolate, oats, poultry,
      pumpking seeds, peanuts, spirulina and several others. Makes seeing food
      in a whole different way!)”.

      http://perfumeshrine.blogspot.com.br/2010/05/jasmine-indolic-vs-non-indolic.html

    • Heriberto Junior Barbosa Junio

      Componentes fórmula molecular C10H8
      A estrutura química da naftalina é formada por dois anéis benzênicos, o que dá a esta substância a classificação de composto aromático.

      O princípio ativo da naftalina é explicado por uma característica física bem interessante: a sublimação, esta se define como a passagem do estado sólido para o gasoso de forma direta. Uma vez sublimada, a naftalina se apresenta no estado de vapor tóxico para os micro-organismos indesejáveis.

  • Raquel

    Olá, Alguém conhece ou ouviu falar desse site: http://www.taliaessenze.com/asp/prodotti_pt.asp?categoria=01
    Achei muito interessante as descrições dos produtos. Será que entregam no Brasil?

  • jevan lorenzo

    Não uso mais nada de origem animal.. Ver a crueldade nos testes em. Animais.. Vi certa vez um cão da raça begle com toda a pele das costas arrancada pra testar cosméticos.. O. Pobre cão ali vivo sentindo toda dor por causa da ignorância das pessoas.. Parei com. Produtos testado em. Animais numca mais

  • jevan lorenzo

    Praga eo ser humano.. Os animais apenas existem sem a necessidade de usar perfume.. Casaco de pele.. Joias..etc..não questiono nossa existência e sim nossas necessidades modernas