Cheiro de papel, de gráfica e de biblioteca: Paper Passion, íris e baunilha

A biblioteca/estúdio de Karl Lagerfeld. Foto de Selby.

A biblioteca/estúdio de Karl Lagerfeld. Foto de Selby.

Papel em todo o seu universo — em branco, jornal, livro, biblioteca — tem fortes poderes sobre as pessoas. Além do prazer tátil da textura das páginas, do prazer visual da mancha de texto bem composta, de preferência sobre papel não-branco, do marcador avançando no livro, o papel possui também um fator olfativo.

Em 2010 a editora Steidl, em conjunto com o perfumista Geza Schoen, lançou Paper Passion. Geza é aquele que fez barulho com Escentric Molecules, os perfumes de uma molécula só. Quem cantou a bola foi Karl Lagerfeld anos antes, que de tanto amor é dono de uma livraria, a 7L, em Paris. Em 1997 a Steidl foi responsável pelo livro celebrando o lançamento de Jako, perfume do estilista alemão. Os livros ficaram prontos em cima da hora, com cheiro forte da tinta — uma certa situação para um livro tratando de perfume. O próprio Mr. Steidl foi se desculpar com Lagerfeld, para então ouvir: “Bobagem! O cheiro de um livro recém impresso é o melhor perfume do mundo.”

Não tenho experiência de gráfica industrial mas pelo menos como imagem as coisas batem. Paper Passion cheira químico e agudo, pontudo, como solvente de tintas, a mesma impressão que tenho com Molecule 02 (a molécula é Ambroxan, de que falei aqui), também de Geza Schoen. A embalagem do perfume é sensacional, um livro capa-dura com o miolo recortado no formato do frasco, no espírito das caixas para guardar cartas secretas. A fragrância não me agrada por si e não traduz a experiência de papel que tenho, portanto não me toca muito. Mas fico bem curioso para saber a impressão (ha!) que faria entre os Frias, da Folha de S. Paulo, ou nos Mesquita, do Estadão.

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Cheiro de papel novo, de livro, de revista, esses sim, conheço bem. Para mim é cheiro de íris. A idéia me apontou na cabeça com o Dior Homme, que tem uma bela dose de íris. Mas uns dias depois de comprar o lindíssimo clássico de 1906 da Guerlain, Après L’Ondée, que também tem uma dose marcada da matéria prima, foi que ficou evidente. Meio distraído, abrindo uma revista na sala de embarque do aeroporto, assustei, procurando quem usava meu novo perfume. E nada. Mais umas páginas e a coisa se repete: procuro e nada. E fui me tocar que era o cheiro da revista: macio, pálido, levemente granulado, com um ponto de açúcar.

Mas se for o caso de livro antigo a coisa muda de figura. Papel já foi feito de trapo de algodão, hoje o papel de escrever e imprimir, de uso comum, é feito de madeira. Acontece que um dos componentes que mantém as fibras de madeira unidas é a lignina. Na fabricação do papel ela é removida quimicamente mas algo ainda resta. Aí o livro tem o seu primeiro dono, o segundo, vai parar no sebo e fica lá por anos, amarelando. Esse amarelo é por conta da degradação da lignina, que é quimicamente parecida com a vanilina, o componente principal da fava de baunilha.

  • Shendel

    Novamente vc cutucou minha curiosidade… também tenho vontade de experimentar aqueles perfumes da Amouage, Library Collection. Aliás explorar perfumes como hobby aqui no Brasil é um exercício de sadomasoquismo!

    • hahaha, vc pegou bem o espírito, Shendel! tem que se enfiar em grupos, conhecer as pessoas e ir fazendo trocas. se não é muito ingrato. mas até agora só encontrei gente bastante generosa!

  • Íris? Bingo! Por isso que venero esse cheiro! Sou fissurada em cheiro de livro. Dom Quixote é o mais gostoso, seguido pela antologia do Mário Quintana. Amo ao cubo cheiro de revista, mas da feminina, do tipo mensal. Não me venha com revista semanal ou de fofoca. É sério. Meu nariz (de jornalista medíocre) é dose. hahahahaha

    No mais, sou curiosa pra conhecer o Paper Passion há tempos.

    • hahaha, essa revista que eu tava folheando concorda com os seus critérios. a saída do après l’ondée é o que achei de mais parecido com esse papel até agora!

  • Pingback: Recomende um perfume: parecido com Narciso Rodriguez for Her, mais barato, e outras dicas | 1 nariz | blog sobre perfumes, resenha de perfume()

  • Guto

    Fiquei curiosíssimo com este Paper Passion, Dênis. O papel, em suas nuances, não é uma fragrância óbvia nem simples de ser obtida para compor um bom perfume. E acho que você tem toda razão quanto ao Dior Homme… Mas talvez alguém com sua percepção e refinamento conseguisse fazer algo melhor… Sério mesmo. Por tudo que já li aqui, percebo que você tem um olfato excepcional. Já pensou em fazer o curso ou trabalhar como perfumista? Parabéns pela resenha. Estava ótima. Abraço.

    • Guto, bom vê-lo de volta. Eu desanimo as pessoas dizendo que não tenho olfato excepcional, eu só estou prestando atenção e estudando — sério, é só se dedicar que o olfato se desenvolve igual o músculo do braço. Não sei se quero por a mão na massa (o crítico de cinema quer fazer um filme?), eu gosto é de escrever. mas tem um monte de perfume legal que nasceu da parceria entre o perfumista e alguém com uma boa história, que aponta e mantém o desenvolvimento numa direção. com a expertise do perfumista fazendo a coisa virar realidade. quem sabe no futuro? grande abraço

      • Guto

        Isso me fez lembrar das experiências que fiz aqui em casa; até manchei o mogno da minha mesa de trabalho/ estudo com alguns compostos porque me esqueci de forrá-la antes de começar a manipular os produtos. Ah, é um sonho ainda obter matérias primas boas e recomeçar minhas experiências.