Borracha e baunilha — Resenha de Bulgari Black

— É melhor experimentar na pele porque dependendo da pessoa fica com cheiro de borracha, foi o aviso da vendedora. — Quem é que quer cheirar à borracha?

Na imagem: foto de Riley Kaminer, via Flickr (CC)

Tinha saído para comprar meu segundo perfume no lugar que durante minha infância foi a salvação, ao pior modo paulistano, dos suburbanos do oeste, o shopping Eldorado. Anos antes fui com a família ver a decoração natalina, que incluía neve artificial. Na verdade era uma chuva de espuma de detergente e a cada três passos escorregava um.

Testei no braço, dei uma volta, gostei, comprei. Eu quero cheirar a borracha? Na época paguei mais a mística do perfume que qualquer coisa. Acontece que não soube guardar o vidro, assim que cheguei em casa joguei a caixa fora, e deixei exposto à luz na prateleira do banheiro, provavelmente para admirar o novo tesouro. E lá se vão sete anos de uso. A pretexto de comparar o meu velho e surrado com um novo de fábrica, paulistanamente fui ao shopping JK no feriado, na Sephora.

Primeiro a loja: esperava encontrar todos os perfumes de todas as marcas, mas a oferta não é muito maior que das perfumarias de sempre. Se tem a marca não tem a linha toda. E sem Chanel. O gerente, bem informado, contou que não vão trabalhar com a marca no Brasil. A grande e muito feliz diferença é que entre você, o papelzinho e o perfume não tem ninguém, é só testar. Sem direção, arrisquei o Gucci by Gucci. Desta vez eu que perguntei: quem quer cheirar a guaraná?

*

No fim a cuidadosa vendedora estava certa. O perfume cheira a borracha, mas mesmo quando testado em papel, ou seja, não por uma estranha interação com hormônios e suor de quem o usa, mas por intenção da perfumista. E como isso é bom! Annick Ménardo centra a imagem no cheiro gostoso de um pacote de elásticos novos e extrapola sua faceta cremosa acrescentando baunilha. Perfume de sobremesa? Nada disso. Usando da mesma sabedoria da avó que coloca uma ponta da colher de açúcar no molho para contrapor a acidez dos tomates, Ménardo incluiu o traço amargo da borracha para estruturar a composição. O resultado é quente, sexy e confortável, bem longe de excessivo, tudo o que quero de um perfume quando a temperatura é ao redor de 20 graus. O vidro antigo não cheira mal mas está bem diferente, mais fino, aguado, sem amargor, de forma que já tenho um presente para me dar nesse natal.

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Em algumas lojas

  • Pingback: Sobre baunilha e borracha | 1 nariz()

  • que ótimo esses textos, dênis! é o tipo de coisa que me faz ler independente do tema em si (não achei que eu fosse passar meu tempo lendo um blog de perfumes!). como quando eu conheci o anthony bourdain e li até os livros de receita sem entender direito. gostei muito dos textos… esse do cheiro de borracha me lembrou uma passagem do último “memoir” do john waters (role models) onde ele fala sobre a comme des garçons e uns perfumes estranhos com toques de borracha queimada e coisas assim

    • Thyer, obrigado! fico feliz que a coisa pare em pé independente do interesse no assunto, sinal que alguma coisa está certa.

      é bom esse livro do john waters? não sabia que ele tinha escrito. a comme des garçons tem uns perfumes de vanguarda, parecido com as roupas. não conheci muitos dos perfumes, mas tem uma série de incensos que é sensacional, recomendo.

  • thyer koenigkam

    o livro é ótimo, dênis! leia quando puder.. foi uma das leituras mais prazerosas do ano passado. vou transcrever aqui a passagem que eu te falei, fica como um teaser:

    Only in Manhattan do I dare wear a fragrance. And that’s Odeur 53, Rei Kawakubo’s scent that to me smells exactly like Off! insect repellant. The best thing about Odeur 53 is that the smell doesn’t last very long. “Rei doesn’t really like perfume for men,” a salesperson needlessly tried to explain. I love the idea of a perfume that disappears—you don’t need to convince me! Designed to “confront the nose”—the press release’s copy for this “anti-perfume” was art in itself—“a memory of smell…entering the world of abstraction by way of a feeling…the future, the space, the air.” With astonishing seriousness Rei listed the inorganic ingredients: “the freshness of oxygen, wash drying in the wind, nail polish, burnt rubber and the mineral intensity of carbon.” That’s exactly what I want to smell like! How did she know?!

    • ah, conheço esse odeur 53! é mais uma afirmação de arte conceitual que um perfume, o que vende ele é o release — essa lista de “ingredientes” está impressa no frasco. eu desconfio que foi feito pra quem não gosta de perfume, como o john waters já deu a dica…

  • henri345que

    O aroma de borracha na perfumaria é mais presente e antigo na perfumaria do que se possa imaginar. É um dos aspectos que você encontra com maior frequência nos perfumes clássicos de couro. O interessante são as fontes da onde ele vem, de materiais dos quais não atribuímos esse aroma. A baunilha é um deles, e é, inclusive, um dos responsáveis por esse cheiro dentro do Bvlgari Black junto com o aroma do chá preto utilizado. Nas versões mais antigas do Shalimar (e atualmente na concentração parfum) é possível notar esse aspecto de borracha/couro bem evidente por conta do tipo de baunilha sintética utilizada originalmente (tem uma explicação boa disso no guia de perfumes do Luca Turin quando ele avalia o Shalimar). O Vetiver também, em óleo essencial puro, possue essa nuance, e em alguns perfumes de Vetiver ela é bem evidente. Novamente cito um Guerlain, Vetiver Pour Homme, de preferência na versão anterior a 2011, antes de sua última reformulação. É bem evidente esse aspecto emborrachado, e que muitos se sentem desconfortáveis.
    Quanto a pergunta da vendedora, eu sou um dos que ama esse cheiro. Mas também gosto do aroma de refrigerante do Gucci By Gucci também rs

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  • Sou totalmente leiga no assunto perfumes, mas o texto está tão bem escrito que resolvi acompanhar o blog.
    Conheci o Bvlgari Black aos 15 anos, através de uma supervisora de estágio. A sensação de poder e rebeldia desse perfume simplesmente me seduziu e, mesmo sendo considerado masculino por muitos, se transformou no meu favorito.

    • Dênis Pagani

      Gabriela, adorei seu comentário, me enche de vaidade. Bulgari Black é uma pepita contemporânea, tem esse lado muito urbano, sem ser gelado nem estéril, é fantástico. É um favorito pessoal. Engraçado, no meu círculo de amigos ele passaria como feminino… essas coisas que servem mais para divertir a gente.

      • linus pauling

        Dênis, você disse 2 palavras que há muito tempo procuro num perfume e nada melhor que uma dica sua para encontrá-lo. Essas palavras são “estéril e gelado” some com as palavras “minimalista e clínico”…Qual perfume você me sugere que lembre essas 4 palavras: “estéril, gelado, minimalista e clínico”???

        • Linus, os Acqua di Gió e o L’Eau d’Issey masculino me dão essa impressão vitrificada, gelada, quase não humana.

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  • NILTON

    Gosto muito dessa borracha …. um dos meus preferidos também. Dá a sensação de estar ‘sujo’, porém perfumado ….
    É um dos poucos que pratiquei a ‘re-compra’ !!
    Abs

    • To na mesma, Nilton, difícil eu acabar com um perfume. re comprei o meu recentemente e to usando a beça. abraço

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  • Renata

    Olá, Não conheço o Bvlgari Black (bem que fiquei curiosa…), mas estive pensando se este amargor emborrachado não é mirra. O que acha?

    • Renata, não conheço a mirra em isolamento mas acho possível, tem o amargor herbal bem escuro que faz sentido na mirra. mas será que ela não deixaria uma impressão mentolada também?

      • Renata

        Dênis, uso óleo essencial de mirra puro para fins terapêuticos e ela tem odor de borracha e nenhum traço de menta. Tem quem ame e quem deteste. Para você que adora cheiros (como eu), pode ser bem curiosa a experiência com certos óleos essenciais, que proporcionam o odor isolado dos velhos, bons e quase extintos componentes naturais dos perfumes. Li seu post sobre a alteração do odor dos perfumes e adorei porque, efetivamente, cada vez mais se substituem os elementos primários por sintéticos e o nariz se engana, mas não completamente! Comecei a experiência com dois vidrinhos de óleos terapêuticos nada cheirosos (orégano e tea tree) e hoje tenho uns oitenta frasquinhos âmbar no banheiro. Mas até hoje não consegui achar nada que reproduza o tom achocolatado que o perfume “Eau de Vanilliers” tinha na minha pele. Abraços, Renata

        • Parece sensacional a mirra, Renata. Lembro que conheci o essencial de manjericão e… não tem nada a ver com o manjericão natural. Some o mentolado, o cheiro fica mais escuro e parecido com anis.

          Não vejo problema com o uso de sintéticos, me parece que eles são mais responsáveis pelo sucesso dos perfumes do que a gente imagina. Estou com um essencial de patchouli aqui que tem algo de chocolate bem escuro, indo pro cacau, não sei se é o que procura.

          • Renata

            Uhmmm, já experimentei óleo essencial de patchouli. É muito forte, fixativo, persistente. Mas não dá o tom de chocolate que eu gostaria…. (em contrapartida, é o melhor repelente de insetos que já provei, e ainda de quebra é cheiroso…). O cheiro que eu procuro é muito semelhante ao da orquídea de chocolate, você conhece a planta? Mais doce, abaunilhado. Tentei óleo essencial de orquídea: nada a ver! Comprei absoluto de cacau e baunilha: não era isto também. Benjoim: até parece, mas não era exatamente não. Ou não usei o Benjoim certo. Bálsamo do Peru: também não é. Cistus… Você já experimentou? Comprei um, mas era da folha, parece que só serviria o da resina. Vou tentar encomendar e depois conto. E aí vou eu, me divertindo à procura da alma do perfume “extinto” que me deixou órfã. Quer uma amostra de mirra? Abraços…
            Renata

          • Renata, não conheço a orquídea. Conheço o benjoim como incenso e em essencial, é bonito demais. Bálsamo do Peru, não. Eu topo essa amostra da mirra, sim, vou te escrever no e-mail para combinar. Abraço!

  • vitor camoleze

    É horrivel, cheira “rua” “asfalto” “freio de caminhão” “peneo” tenho trauma desse perfume!!!!

    • Cheira a tudo isso E a baunilha macia, envolvente, acho incrível conseguir juntar esses opostos. Mas entendo não gostar, o negócio é meio esquisito mesmo.

  • Achei lúdico. Sérião, curti muito esse perfume. Mas ele não é fácil.

    • O que me complica é o lado doce, que as vezes me sufoca, só consigo usar em paz nos altos do inverno.

  • Carolzinha

    Oi Adorei seu blog!!parabéns pela iniciativa!!Amo bvlgari black e usei durante um tempo- o cheiro de borracha faz parte um pouco da essencia da marca.Tb gostava do cheiro de conforto (não é talco) que ele me trazia!!Mesmo masculino eu adorava!!!AMO PERFUME!!!bjs

    • Carol, ele tem mesmo esse lado envolvente que dá uma sensação de conforto. É um dos meus favoritos da vida.

  • Renato

    Dênis, vou além… para mim o Bvlgari Black cheira a borracha queimada!!! uma vez teve um curto-circuito em um dos cômodos da minha casa, e o cheiro de “bvlgari black” ficou lá por vários dias!!!!

    • Hahaha! Eu voltei pra aula de yoga, meu tapetinho é de borracha, o cheiro é bem parecido com o do perfume. Eu sempre adorei o ambiente de oficina, marcenaria, gosto de ter esse cheiro por perto.

  • Leidi

    Melhor perfume masculino que já senti! meu marido usa esse e eu amo <3

  • Bianca

    É verdade cheira a borracha como um pneu novo, porem isso é mais na saida… Depois vai ficando bastante parecido com couro.
    Quando eu comprei um frasco, senti um cheiro forte de borracha nas primeiras borrifadas do frasco novo… Depois isso suavisou muito.
    No fim acabei desapegando porque não aguentei a baunilha que só ficava mais intensa a cada minuto e me enjuou bastante…

    • Bianca, a baunilha dele é bem intensa mesmo — eu só consigo usar nos dias mais frios e secos. Mas é um perfume admirável (para mim, carrega um monte de memórias também)

  • Ali Hassan Ayache

    Estranho esse perfume, meu primeiro frasco comprado por volta de 2003 ou 2004 me lembrava cheiro de chá preto, forte e intenso. Anos depois comprei um segundo frasco e o cheiro me lembra baunilha. Sumiu o chá preto, parece um outro perfume e não aquele que eu tive dez anos antes.

    • Ali, nossa percepção vai mudando com o tempo, tem sempre algo que nos chama atenção em determinado momento. Uma vez encanei com uma nota banana num perfume e não conseguia sentir mais nada ali. E a memória é um processo criativo, digamos!