Thierry Mugler Angel Eau de Parfum

Qual a necessidade de escrever sobre alguma coisa que todo mundo já conhece? Ainda mais, sobre algo que todo mundo tem opinião? Falando de Thierry Mugler Angel, o mais provável é que conheceu da pior maneira, ou seja, alguém lavado em perfume, sentado por horas ao lado — e você já sabe qual a opinião. É quase impossível não cheirar e perguntar: isso é sério? É tanta informação conflitante e num volume tão alto. Angel é uma piada deliciosa, ao mesmo tempo impublicável e irresistível, que funciona na medida em que é absurda. Só para esgotar as perguntas retóricas, esta é a que melhor define: há muitos perfumes bonitos mas quantos são empolgantes? (De Tania Sanchez, no excelente Perfumes, the A-Z Guide.)

Foto: primeira propaganda de Angel. Viu as Torres Gêmeas no fundo?

Criado em 1992 por Olivier Cresp, foi o primeiro perfume de Thierry Mugler, que definiu a cara da linha — todos nascem a partir de idéias fortes — estabeleceu a tendência dos perfumes gourmand no mercado, é ainda muito influente, muito vendido, tem apaixonados e odiadores na mesma medida. Os louros devem ser divididos entre Cresp e Vera Strubi, diretora criativa da divisão de perfumes da marca até 2007. Como quem diz “Vai ser assim ou caio fora,” desafiava os chefes para impor sua idéia de ponta a ponta: o chamado aos perfumistas para que enviassem idéias fortes, inovadoras, e se ater a que julgou mais promissora até o fim; o frasco em formato de estrela, caro de ser fabricado; a cor azul do frasco, incomum no momento; a ausência de testes com consumidores. Mas isso é assunto para um novo post (nesta entrevista exclusiva, Olivier Cresp comenta sobre Angel).

O perfume em si é uma batalha de opostos. De um lado, um patchouli a moda antiga, direto do mundo masculino, não muito diferente do que aparece em Givenchy Gentleman (o original, de 1974). Se hoje o gosto é por um patchouli limpo, mais transparente, quase só a textura de madeira, em Angel ele vem com toda a sua banda — e eles swingam. O tom é marrom escuro, com cheiro de fundo de armário (aquele mofinho), facetas chocolate escuro e também canforada, gelada. Em Angel, o chocolate, o lado comida da coisa, é reforçado pelo acorde pralinê (castanha + caramelo) e baunilha. A larga quantidade de etilmaltol usada, matéria prima que cheira como algodão doce, foi uma novidade na época e sua influência se estende até hoje.

Na outra ponta, emendando com o canforado do patchouli, está um acorde floral. Ele é histérico, agudo, quase químico. Um dia achei que parecia cheiro de suco de abacaxi com hortelã (o canforado do patchouli) e a imagem não me sai mais da cabeça: mentolado, elétrico, pinicante. Esse acorde pula na cara e cutuca o nariz, entrando em guerra com o grave, redondão, salivante, dessa gordice gostosa de chocolate e pralinê. Pelas dosagens das matérias primas, apertar o botãozinho do spray lembra um desenho animado: um cometa pink espalhando suas partículas reluzentes até o horizonte sumir da vista.

Do meu lado, por mais que admire (e não é pouco), não quero passar uma refeição ao lado de alguém que caprichou na dose — já aconteceu e, sério, não é legal. Ou estar com essa pessoa em qualquer lugar cujo suprimento de ar seja limitado. Agora estou testando de uma miniatura sem spray, ou seja, aplicando com o dedo, está calor, e o resultado é menos atômico, agradavelmente vibrante na saída e — nham nham — chocolate escuro e caramelo no fim. Talvez dê para simular aplicando com o spray bem de perto no pulso e carimbando onde quer espalhar? Uma amiga comprou o desodorante, espirra no ar e passa embaixo. Quem acha doce demais pode testar o masculino, A*Men, que reforça a ponta amarga/chocolate do perfume. Quem acha doce e quer mais vai se dar bem com Pink Sugar, tem resenha aqui.

Thierry Mugler Angel EDP - R$299, 25 ml

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  • Eduardo Lima

    Sem dúvida, um dos que mais discrimino. Zero condição de ficar do lado de uma pessoa com esse aí!

    • Hahaha! Essa vez que comentei era num jantar com um cara do mundo do vinho, era só esse o assunto. E chegou alguém banhado em Angel… Entendo total, Edu!

  • Ubiratan

    Penso que usar Angel é como gostar de comer Escargot: não é qualquer nariz que vai entender e apreciar suas nuances e beleza. Perfeita sua frase, Dênis: “confusão de informações conflitantes e num volume tão alto”. Angel é exatamente isso, mas de forma deliciosamente elegante. O curioso é que não sinto toda esta doçura da qual todo mundo chia e grita (estou no final de um EDP de 100ml). Meu cérebro percebe uma fragrância frutada e melíflua, com coco, delicada e quase inocente, terrosa e com MUITO patchouli. Seu irmão masculino A*men, quase assinatura minha pelo tempo de uso, mostra comportamento mais doce e agressivo em mim do que Angel. Apreciei também muito a versão EDT de Angel em amostra que recebi certa vez. Está na wish list.

    • Ubiratan, é engraçado, os limites vão ficando mais elásticos com o tempo. Será que a gente não se acostumou com esguichos de algodão doce, e mais mal-feitos, que o padrão mudou? Lembro de como conheci Angel, num ambiente fechado e sendo reaplicado a cada 30 minutos… Era toda uma novidade, inclusive o efeito dor de dente.

      • Ubiratan

        Boa idéia: talvez tenhamos mesmo sofrido uma acomodação olfativa com a abundância de algodão doce, açúcar queimado, muita baunilha, caramelo, praliné, enfim, como salientou, com as mais variadas qualidades de acabamento. Já percebeu a “Ponte da Amizade” comum entre Fantasy, Egeo Dolce, La Vie est Belle, Pink Sugar e Escada Magnetism? Minha primeira cheirada em Angel foi uma borrifada escondida do de uma sobrinha no pulso, e achei a coisa mais enjoativa, interminável, doce e absurda para um perfume. Hoje sou fã incondicional desta maravilha…..Abraços.

        • É assim, o gosto é plástico, vai se modificando ao longo do tempo. No fim do ano me apeguei as lavandas, que nunca dei muita bola…

  • Maria

    Angel é o perfume do meu pai! Ele começou usando o A*men, mas ficou difícil de achar (será que foi descontinuado?) e agora ele usa o Angel mesmo…
    Mudando um pouco de assunto… Acho muito legal uma iniciativa do Thierry Mugler de fazer frascos reutilizáveis. Quando o perfume acaba, é só levar na loja pra encher de novo… Mudou o frasco do Angel, que deixou de ser em formato de estrela pra ter estrela só na tampa… Mas acho muito válido, primeiro porque uma parte do custo do perfume é o frasco e depois pra não jogar fora o frasco, que é tão bonito…
    Gostaria de saber se você conhece algum perfume com angélica para eu indicar para meu pai, é a flor favorita dele e ele ama o cheiro…
    Parabéns pelo blog e obrigada antecipadamente pela atenção! 🙂

    • Que pai incrível o seu, Maria. O masculino é mais difícil de achar que o feminino, mas ainda se encontra. O frasco reutilizável foi uma solução que encontraram para contornar o custo de fabricação do frasco em forma de estrela.

      Angélica em geral é descrita com seu nome em inglês, tuberose ou tuberosa. Algumas idéias: Carolina Herrera Eau de Parfum, Dior Poison, Juicy Couture Juicy Couture, Madonna Truth or Dare. Tem resenha do último aqui, acho que ele pode gostar!

      • Maria

        Valeu! Vou procurar! 🙂

  • Confesso: Angel é incrível, mas eu não o suporto. Taí uma obra-prima que não orna com a minha pessoa. Culpa do patchouli. Tentei o EDT e também não rolou. Ah, se eu gostasse de patchouli…

    • E no Angel é um meeeeeeeegaaaaaaaa patchouli! E veio todo mundo atrás! Só para amantes, mesmo.

  • Ingrid Pitombeira

    Dênis, estava dando uma pesquisada sobre o Angel, achei seu blog e amei! Me tira uma dúvida: Estou procurando o Angel, na versão tradicional, de 100ml, mas só encontro em um frasco comprido. É a mesma fragrância daquele que vem no frasco em formato de estrela?