1 nariz em Paris: A madrugada em Sevilha, Denyse Beaulieu e uma história

Marcado o encontro fiz uma das minhas clássicas confusões, cheguei na hora combinada mas no sábado anterior, uma semana antes. Fui conhecer Denyse Beaulieu, jornalista, tradutora — é dela a versão francesa de 50 Tons de Cinza — e grande conhecedora de perfumes. Enfim nos encontramos na Jovoy, enorme multimarcas de perfumaria em Paris, para conversar e conhecer perfumes. Ela é uma pessoa onívora, com mil interesses e dispara centenas de referências por minuto: história, uma viagem ao Brasil, ópera, encontros com perfumistas e o livro que acabou de lançar. Denyse escreve um dos meus blogs favoritos pela crítica bem justificada, profunda e com humor, o Grain de Musc. O livro é The Perfume Lover: A Personal History of Scent, em que o personagem central é o desenvolvimento do perfume Seville a L’Aube com o criativo perfumista Bertrand Duchaufour.

Foto de Horst P. Horst que ilustra a versão francesa do livro

Foto de Horst P. Horst que ilustra a versão francesa do livro

Ela já esteve no Brasil: entrevistou Jorginho Guinle num decadente Copacabana Palace, e realizou meu sonho de conhecer o artista plástico Frans Krajcberg e sua sensacional casa na árvore em Nova Viçosa, na Bahia. Seville a L’Aube (Sevilha na Madrugada), lançado pelo Artisan Parfumeur em 2012, nasce quase que por acaso. Num encontro com Douchaufour, Beaulieu conta da viagem que fez a Sevilha durante a Páscoa, época em que a cidade é tomada por procissões. Sevilha é toda plantada de laranjeiras que neste momento estão em flor, os fiéis levam velas que vão pingando sua cera pelas ruas, Denyse tinha um amante espanhol, Roman, que aprecia cigarros… “Isso daria um bom perfume!”, exclama Bertrand ao fim do relato.

the perfume lover

Assim começa o livro e o trabalho de mais de um ano, com centenas de ensaios antes do modelo vendido hoje. Ela escreve numa prosa intensa e não poupa detalhes eróticos de sua vida: um rico amante casado que teve, o velho truque do decote para conseguir as respostas que quer em entrevistas, os encontros com o espanhol Roman.

O desenrolar do livro gira em torno de fazer que a fragrância permaneça fiel a história — Bertrand é cheio de idéias, como vai se ver — e saber quando parar, que parece ser problema fundamental em toda a arte. Ao lado disso Denyse conta sua trajetória pessoal de Québec, no Canadá, até Paris, sempre pelo fio da perfumaria. Desde a vida numa casa em que perfume é proibido, passando pela chegada do livro de Luca Turin, os blogs sobre perfume (alô, mamãe) e os encontros que daí surgiram, com aficionados e perfumistas como Mathilde Laurent e Serge Lutens. Tudo entremeado com referências a história da perfumaria até os dias de hoje. Para quem sofre com a qualidade das informações na internet, o livro é uma boa referência.

Espremendo os olhos procurando Duel, Annick Goutal.

Espremendo os olhos para achar Duel, Annick Goutal.

Depois do papo fomos encarar as prateleiras sem fim, duas horas de perfumes non-stop, o melhor jeito de aprender. Faço alguns destaques. Apontou gardênias como tendência, uma no perfume Gardez-moi, de Duchaufour para a própria Jovoy, outra em Boutonnière, de Arquiste. Da segunda marca me encantou Anima Dulcis, cuja cena é um convento mexicano, as freiras preparam doces com cacau e pimenta e o piso acabou de ser encerado. Jubilation 25, de Amouage, marca de Oman, no Oriente Médio, retribui o jogo da perfumaria ocidental buscando inspiração no oriente, ou melhor, numa imagem que se tem dele. E lá se vai Opium, Shalimar e muitos outros. Jubilation 25 faz jogo de espelho, é totalmente estilo antigo, redondo e aveludado por uma nota de ameixa, um chypre clássico no registro da perfumaria ocidental.

Um Dênis inquisitivo fazendo aquela última pergunta.

Um Dênis inquisitivo fazendo aquela última pergunta.

Denyse Beaulieu escreve em inglês e francês no Grain de Musc. Lá é possível ler um trecho do livro, ou baixar uma amostra no Kindle pela amazon.com. E, pelo texto invejável, não perca esse perfil no New York Times.