Ambergris (âmbar cinza) é mais fascinante que o acorde âmbar pela origem que tem. É o equivalente a uma bola de pelo produzida pela baleia cachalote. Os ossos de lula, sua dieta básica, ferem o estômago do animal, que produz secreções e depois as expele — há uma polêmica se por via oral ou intestinal, digamos, a informação mais recente tende pela segunda, não vou me envolver. O material é curado pelo sol por anos a fio, boiando no mar, até chegar a uma praia e ser encontrado por alguém como este senhor.
Pois bem, e que cheiro tem isso? Vou citar Luca Turin, que por sua vez cita
o grande químico de fragrâncias Gunther Ohloff, que provavelmente soube mais sobre ambergris que qualquer um. Ele o descreve: “úmido, terroso, fecal, marinho, parecido com alga, tabaco e sândalo, doce, animal, almiscarado e radiante.” *
As qualidades mais interessantes do material são tenacidade e radiância, a capacidade de se difundir no ar, características extremamente desejadas na perfumaria. Mais Turin para exemplificar:
Experimento simples: atrás da mão direita, lavanda Yardley’s, dois espirros. Mão esquerda, lavanda Yardley’s, dois espirros + um espirro de [tintura de] ambergris. Resultado: a mão esquerda ainda cheira a lavanda, mas mais forte, mais complexo e em 3D. Como mudar de caixinhas de som para um mega system. *
Provavelmente as grandes casas não usam mais o material verdadeiro por questões éticas, de custo e fornecimento, optando por substitutos sintéticos. E acho pouco provável que digam, se usarem. Eau des Marveilles (Hermès) foi criado como uma fantasia para evocar ambergris e a brisa marinha, sem uso de notas aquáticas que fizeram o sucesso de L’eau d’Issey.
O ambergris aparece ainda no capítulo 91 do Moby Dick. Stubb, tripulante do Pequod, convence o capitão de um navio baleeiro que ele deve abandonar um cadáver de cachalote porque, justo ontem, morreu toda a tripulação um navio de uma febre transmitida pelo corpo do animal em decomposição. Ele começa cortar pela nadadeira lateral sofrendo com o odor podre, que cresce a medida em que avança na operação. E então:
[* As aspas de Luca Turin vêm do antigo blog dele, já desativado mas disponível na íntegra neste link. Segue a mesma prosa viva e cheia de humor de seu Perfumes: The A-Z Guide, que comentei aqui, em parceria com Tania Sanchez — ela aparece no blog através de comentários.]“I have it, I have it,” cried Stubb, with delight, striking something in the subterranean regions, “a purse! a purse!”
Dropping his spade, he thrust both hands in, and drew out handfuls of something that looked like ripe Windsor soap, or rich mottled old cheese; very unctuous and savory withal. You might easily dent it with your thumb; it is of a hue between yellow and ash color. And this, good friends, is ambergris, worth a gold guinea an ounce to any druggist.
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