Perfumes de grama, livro e terra | Demeter

Semana passada contei da minha epifania solar-afetiva com o perfume Demeter Suntan Lotion, que tem exatamente o mesmo cheiro do protetor solar que usei na infância. A proposta da marca é justamente essa: cheiro de coisas para usar como perfume. Fiquei super curioso desde que ouvi falar e finalmente, no fim de 2018, consegui algumas amostras.

A Demeter foi criada em 1996 com os perfumes Dirt, Grass e Tomato e hoje conta com uma coleção vertiginosa, que vai de Almond a Zombie (já descontinuado), passando por signos do zodíaco e princesas. Buscam fragrâncias legíveis e compreensíveis — nada de evoluções super complicadas — com a intenção de disparar a memória afetiva. É querer bastante coisa.

Não vamos nos debruçar neste texto sobre todas as vezes que encontramos zumbis ou a Branca de Neve, muito menos sobre as lembranças que temos deles. Só tenho a impressão que a marca pode mais feliz quando tenta reproduzir o cheiro de massinha de modelar, whisky e pizza — todos existem e me deixam bem curioso.

Dito isso, eu não queria estar no lugar destes perfumistas. Eles tem recursos limitados, tem sua criação julgada contra algo que não só existe, mas que muita gente conhece, conviveu e criou vínculo. Daí a querer que cada um dos perfumes faça *plim* e a sala se encha de fumaça num flashback… é querer bastante coisa. Quando dá certo, é das experiências incríveis que um perfume pode criar. Quando não dá, quero meu dinheiro de volta.

Suntan Lotion cumpre cada vírgula, parágrafo e travessão que promete, foi meu grande destaque e preferido nos testes. Fora ele, testei mais sete perfumes.

Os que me fazem voar

Dirt acerta no centro do alvo. Lembrei da última vez que troquei uma planta de vaso com terra boa, úmida, escura, cheia de matéria orgânica, fofinha e com minhoca.

Paperback é o próprio cheiro de livro antigo. Papel moderno envelhece com uma lembrança de baunilha. Se testar Paperback na fita parece mais cremoso e com algo de côco que soa fora de lugar, mas na pele a mágica acontece — bravo!

E, claro, Suntan Lotion, que tem um texto só para ele.

Na trave

Ambergris é uma aproximação possível para a coisa real. O ambergris de fato é uma matéria prima produzida a partir do cálculo estomacal da baleia cachalote, depois de expelido pela baleia e curado no sal e no sol. É raro, é caro, quem encontrar uma bolota encalhada na praia vai ficar rico, e não é mais usado na perfumaria de massa. Tenho um vidrinho de ambergris que por motivos de custo está diluído a 3% para comparar (o padrão para matéria prima de perfume é 10%). O da Demeter chega perto logo em seguida da borrifada. Cerca de 10 minutos depois aparece um lado comestível, que lembra bolacha maizena, que não está na coisa mesmo.

Cannabis Flower chega perto mas falta o lado resinoso e vivo, que lembra pinho.

Nem chance

Petrichor, que é o cheiro da chuva, lembra chiclete de melão, com um lado doce e floral.

Grass parece que vai mas não vai. É um lírio do vale leitosinho, com algo de verde e metálico, que soa técnico, sem relevo e nada vegetal.

Kitten Fur é o mais distante de tudo para mim. Tem cheiro de creme para cabelo de farmácia.

Foto: Jill Heyer