Confesso que tenho um certo medo de Serge Lutens. Ele cultiva uma imagem vampiresca no velho estilo, com casaca, cabelo penteado para trás e eternamente enigmático. Textos de divulgação de cada perfume são escritos por ele mesmo em linguagem cifrada, as vezes severa, freqüentemente a mesma que adota para responder as poucas entrevistas que concede. Tudo o que a marca produz parece coberto do mesmo véu misterioso, cor de violeta, que ronda a única loja existente, no Palais Royal, em Paris. Junto de Coco Chanel, Hemingway e Omar Shariff, para citar alguns, faz parte da lista de ex-moradores do Hotel Ritz, atualmente fechado para reforma. La Fille de Berlin foi lançado no início de 2013. Serge Lutens nasceu em Lille, no norte da França em 1942, durante a ocupação alemã e com semanas de idade foi abandonado pela mãe.
Há um vídeo de divulgação do perfume disponível no site da marca, no link see the video. Na verdade serve de suporte para o narrador em off, num tom meditativo e intenso, muito francês, o oposto total do que se espera de qualquer propaganda de perfume. Conta uma história que inicia com a partida de uma mulher e depois se debruça sobre memória e criação. Fille tem duas traduções — esta é a Garota ou a Filha de Berlin?
Recebe o tratamento oriental que é característico da marca, opulento e cheio de volúpia. Há um aspecto de fruta vermelha equilibrado por um toque ligeiramente salgado, quase mineral, que fica evidente alguns minutos após a aplicação. Serve para colocar uma história, efeito colateral maravilhoso em um perfume — uma sugestão de lágrimas, o gosto metálico de sangue?
Nas notas de fundo aparecem musks de efeito talcado. Não de um modo vovó, mas animálico, macio, que lembram a deliciosa secagem de Muscs Koublaï Khän, a bomba animal de Serge Lutens, sem chegar a ser brutal como ele. Dá uma sensação de calor de pele, alguma coisa de vivo, confortável e protetora. Tem excelente fixação. Lutens já havia produzido ao menos duas rosas para sua coleção. Uma viva, inocente e cor-de-rosa chamada Sa Majesté la Rose, outra em calda, escarlate e vamp, que é Rose de Nuit. La Fille de Berlin é para quem gosta de rosas mais escuras, iluminadas no contra-luz, com uma história pronta para ser imaginada.
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