Em 2009 a Cartier lançou Les Heures de Parfum. É uma coleção de treze perfumes, um para cada hora do dia — pense no relógio, não na duração — a décima terceira uma hora inventada. Todos foram criados por Mathilde Laurent, saída da Guerlain em 2004 e a partir do ano seguinte perfumista exclusiva da Cartier. Sua história é curiosa mas conto num outro post. Há duas semanas, em Paris, fui conhecer Les Heures de Parfum.
Antes de chegar a loja da Rue de La Paix, no que parece ser o melhor quadrilátero para quem quer conhecer perfumes na cidade — guia de Paris em breve –, acabei passando na loja que estava mais perto no dia anterior. Uma sequência de duas portas no mesmo esquema de portão-gaiola que envergonha todo morador de São Paulo fez as coisas menos amistosas.
Explico o motivo da visita. “Ah, sim, queira se sentar, nossa vendedora já vem.” E lá se foram muitos minutos. Claro, a loja não tinha a coleção, só na Rue de la Paix. Para piorar caí na besteira de dizer que procurava a loja de um florista — já fechada há muito tempo, fui descobrir a noite. O monitor era coberto por uma película quase preta, por segurança, para que ninguém, ninguém visse os preços. E a vendedora gentilíssima, descolando a retina atrás do endereço de uma loja que não existe.
No endereço correto, outra sorte. É mais museu que banco, com uma escadaria cinematográfica no centro. A solenidade francesa quase inexistente, os perfumes logo no segundo hall, e aconteceu aquele meu sonho de ficar sozinho e a vontade, sem vendedor, com tudo a disposição. E tocando o fim instrumental de Wuthering Heights (Kate Bush). Testei quatro, um quase por acaso, para manter a sanidade nasal.
XII, La Heure Mystérieuse, vai para a raiz da perfumaria com o incenso. Diáfano, transparente, diferente do peso de Incense Avignon. O número XIII, La Treizième Heure, dá mais um passo na idéia anterior e se dissolve no ar, falando sobre fumaça. Madeira queimada, lapsang souchong (um chá defumado), sobre um fundo delicado de couro. E nessa hora aparece um senhor muito alinhado, olhou demais e tasco um bom dia, ele se diverte com a farra: — “Profitez! Profitez! Aproveite! Aproveite!” Pouco depois volta, amistoso, percebo uma Legião de Honra em grau de comandante na lapela. Pergunto quais prefere, aponta o XIII: “tem cheiro de campo, de sela de cavalo, de fogo.” Depois aponta o VII: “chocolate… é maravilhoso.” Tive que testar.
VII, L’Heure Deféndue, joga no terreno familiar do cacau e patchouli, muito explorado desde Thierry Mugler Angel, de Oliver Cresp, em 1992. Mathilde Laurent opta pela classe e profundidade partindo para o amargo do cacau ao invés da bomba calórica de Angel. Está mais perto de um chocolate 100% cacau, que se desfaz como terra na boca, que ao leite. Cacau divide esse ângulo terroso com o patchouli, aqui editado precisamente nesse aspecto, sem o lado picante que está tão em moda. É lindo, profundo, na esquina comestível-não-comestível, cheio de camadas.
Mas o mais impressionante foi o número VI, L’Heure Brillante. Acabei percebendo agora, esse é o com a memória mais forte. Não é o meu gênero favorito, o que me arranca do chão como consumidor, mas é o que me deixa confortável num clima úmido como o de São Paulo — não dá para usar Cuir de Russie esperando a chuva das 17h. É um caleidoscópio, uma roda viva de tudo o que diz verde olfativamente. A cada cinco minutos subia uma nova nota: verbena, grama cortada, hortelã, coisas que me pareciam folha de limão, de laranja, outras que não sei nomear mas se encaixam no descritivo “verde”, uma a uma, separadamente, desfragmentando quase em vertigem. Nunca vi nada igual.
* Provavelmente está disponível na loja do Shopping Cidade Jardim. cartier.com.br
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