1 nariz em Paris: Os domínios de Serge Lutens, La Myrrhe e Iris Silver Mist

Algum dia todo mundo que ama perfumes chega em Paris. Não sei se o mais importante, mas um dos pontos centrais da peregrinação é a loja de Serge Lutens no Palais Royal. Os perfumes na maioria das vezes são mais uma afirmação em negrito que mero complemento estético — ao lado de um mercado com medo de ousar é um grande elogio. Com a ajuda do cenário, da luz de nuances e o jeito enigmático do mestre dos domínios, a sensação é de entrar num universo particular.

Serge Lutens, vitrine da loja

Serge Lutens, vitrine

Claro, não atrapalha que uma parte da coleção é vendida exclusivamente nessa loja e via internet, e não existem amostras. Teoricamente é possível pedir amostras em cera, mais fáceis de enviar — eu pedi duas vezes e nada, mas existem casos de sucesso. Essas amostras ajudam mas não resolvem, o perfume fica um pouco manco. No Tubereuse Criminelle, por exemplo, falta a fantástica abertura dramática.

Além de conhecer uma pequena lista que levei, estive em missão de compra. Era uma encomenda de Ambre Sultan para uma amiga e grande apreciadora de Lutens. Foi na casa dela que conheci Bois de Violette — e foi essa a última vez que gemi espontaneamente cheirando um perfume, que é o teste de beleza mais verdadeiro.

Aqui um parênteses sobre o atendimento. Não tive problema nenhum e não costumo ter em nenhum lugar, me parece que é uma questão de entrar num protocolo de velho mundo. Na dúvida: olhou demais já tasco um bonjour e vou perguntando sobre cada passo: “Você tem? Posso provar?” Tudo isso num francês chamado “pedante” pelo meu companheiro de viagem. Fecha parênteses.

Serge Lutens, vista interna

Serge Lutens, vista interna

Fumerie Turque decepcionou, sabendo do caminho da casa imaginava um incêndio na Capadócia, ou um antro enfumaçado, ou, ou. Madeira, um pouco de tabaco, uma fumacinha, tudo no tratamento oriental e espesso que a cara da casa. Consultando meu braço durante o dia era o que eu mais gostava e o mais gostável, familiar, mas que também não precisaria ter. Cadê o arrebatamento e o delírio?

Os dois que mais agradaram usam o mesmo recurso de Tubereuse Criminelle, colocando lupa nas características da matéria prima. Iris Silver Mist é uma declinação em 50 tons de íris, ou melhor, raiz de íris. A raiz de íris é um tubérculo e seu cabelo não nega, batata, tem um cheiro farinhento de amido, de água de macarrão. É um outro jeito de dizer “claro” em perfumaria: se aldeídos são néon como luz fria, de brilho quase metálico, a raiz de íris tem a mesma luz mas outra sensação: envolvente e acolhedora, mas também monótona, contemplativa, de pressão baixa. Talvez um cinza?

A graça era esse tom monocórdio com pequenas modulações ao redor do mesmo tema, começando bem farinhento e lembrando muito cenoura, com seus aspectos florais e frutais — semente de cenoura faz parte da composição, me explicou o vendedor. Depois se desfazendo nas duas características, mais frutal, depois mais floral, sempre macio e farinhento. Lento. Mole. Meditativo. Eu, que gostei bastante de um filme que mostra vacas sendo vacas, gostei. Para quem vê beleza num quase estático, num quase tédio.

La Myrrhe aponta para o céu por dois caminhos. O primeiro é o próprio uso tradicional da mirra como incenso, traçando a ligação entre dois mundos. Depois pela overdose de aldeídos. A mirra tem um ângulo verde e canforado, parecido com o cheiro de pinheiro, expansivo. O resultado da combinação é um agudo de trincar cristais, cegante e branco como uma fotografia superexposta, um flash olfativo, levando tudo mais alto, mais alto. É também uma citação a Chanel no. 5, primeiro perfume a fazer uso de uma quantidade enorme de aldeídos. Se no. 5 é emblema de um estilo antigo, redondo, envolvente, grandioso, quente, opulento, La Myrrhe procura a oposição: é gelado, afiado e cortante como uma espada.

E você, quais Serge Lutens estão na sua lista para conhecer quando estiver em Paris? Se já conhece alguns, qual é o seu favorito? Sua opinião é bem-vinda nos comentários.

 

La Myrrhe, Serge Lutens.

La Myrrhe, Serge Lutens.
130,00 euro, 75 ml

Na loja ou online.

sergelutens.com

  • Ciça

    Dênis, que maravilha de texto! Me senti homenageada, não só por me ver ali incluída, mas também pela descrição e sensorialidade perfeitas que dedicou a Lutens. Pra mim o maior nariz do universo. Tão especial que, graças a Deus, muitos compram por novidadeiros que são, mas poucos viram fregueses ou como no meu caso, adictos. Sou suspeita para falar, uso constantemente meus prediletos desde o primeiro perfume que ele fez para marca Shiseido, onde seu nome ainda não aparecia, na verdade uma Eau Timide chamada Feminite du Bois que logo em seguida, já com sua assinatura redundou, no aspecto aveludado, nos Bois de Violette e Rose de Nuit. Estou falando de 1993 mais ou menos, portanto quase 20 anos de paixão.

    • Dênis Pagani

      Grande Ciça! Estou te escrevendo um e-mail mental há uns dias!

      Você viu que junto com o La Fille de Berlin ele lançou um livro que fez antes da fase perfumes? Imagens fantásticas, meio expressionismo alemão em cores. Um grande criador, seja a mídia que trabalhar.

  • Luiz Alberto Lemme de Abreu

    Parabéns pela resenha, não custa lembrar que o Iris Silver Mist é o único Lutens criado pelo fantástico Maurice Roucel, em um momento da minha vida terei que visitar a “Meca”, pena que não encontrarei o meu preferido, o extinto e inigualável Nombre Noir.

    • Dênis Pagani

      Grande Maurice Roucel e sua mão pesada! Como você conseguiu essa preciosidade de Nombre Noir? me conta essa história.

      • Luiz Alberto Lemme de Abreu

        Um grande amigo, talvez o melhor garimpeiro de raridades destas bandas, mas assim como lendas como o Patou pour Homme e o Jules da Dior, você ainda encontra o Nombre Noir pela rede.

        • Dênis Pagani

          grande sorte! nem chegando perto em termos de raridade, hoje comprei um Diorella antigo para entender melhor do que o Roudnitska é capaz. o Jules se encontra em loja ainda, vi em Paris uma vez. não é comum mas está lá.

          • Guto

            Jules, de Dior!! Que demais, amo esse perfume! E o efeito que causa no seu ambiente imediatamente circunscrito. Alguém sabe onde encontro on-line? Parabéns pelo blog Denis, exala bom-gosto. Abç.

          • Dênis Pagani

            Guto, dei uma pesquisada no ebay alemão e tem alguns frascos. usa o google translator e manda ver!

  • Elisabete

    Nao conheco nada prácticamente dele más tenho o Vetiver Oriental que estimula elogios. Adoro!

    Belo post!

    • Dênis Pagani

      esse eu só lembro do dia, quando não entrei na loja! mas do cheiro não lembro nada.

  • Guto

    Obrigado pela resposta, Dênis, vou olhar agora mesmo. Esse perfume Jules me faz recordar uma ex-namorada (porque estávamos juntos quando ganhei um frasco de minha mãe, que o trouxe de uma viagem, e era esse que eu usava quase sempre naquela época). Cara, eu sou meio que viciado em Dior, kkkk.

    • Dênis Pagani

      Guto, comprei um Diorella vintage que está de babar! E o Eau Sauvage, o que é lindo… Qual o seu favorito?

      • Guto

        Cara, fico muito entre o Jules – que já usei por muitos anos – e o Dune, que realmente mexem comigo; o Eau Sauvage, que a meu ver teve a escolha perfeita do nome, porque é isso que me desperta, esse lado mais selvagem e viril, que alguns perfumes subjugam. Nos últimos anos, gostei do Dior Homme. Impossível escolher, rsrsrs 🙂

        • Dênis Pagani

          Gostei bem do Dior Homme mas com essa facilidade do ebay to com olhão nos clássicos: Diorissimo, Miss Dior, Dioressence e etc

      • Guto

        Não conheço o Diorella. Lembrei agora que gostei do Fahrenheit 32, mas quando me interessei em comprá-lo não o encontrei mais nas lojas. Sabe algo sobre ele?

        • Dênis Pagani

          Não sei nada, não cheguei a conhecer. Deixa ver se encontro por aqui e volto para reportar.

          • Guto

            Citei o Fahrenheit 32 porque apesar de ser um flanker, ele traz algo particular, um espectro realmente novo da fragrância do Fahrenheit tradicional. A meu ver, vale a pena rapaz.

  • Pingback: Vinho e perfume: mais algumas esquinas | 1 nariz | é sobre perfumes()

  • Shendel

    Denis, vc chegou a comprar o Iris Silver Mist?

  • Cleide Vieira

    Que resenha bacana, muito bem escrita e evoca lembranças. Tive a oportunidade de estar em Grasse, no museu do perfume, e ali vi embalagens antigas de vários deles, como o Drakkar Noir, o Drakkar Dynamic, um outro Magic de Celine, que nunca ouvi falar, mas tirei umas fotos para uma pessoa que adorava o Drakkar. O que mais gostei foi o baú da Maria Antonieta com seu arsenal de toillete, maravilhoso e cabia tudo num baú. Já imaginou hoje em dia com o custo do excesso de bagagem? rsrsr Abraços Cleide

    • Cleide, que legal essa visita ao museu. eu não conheço Grasse. Vc viu que tem um museu de perfumes — do produto em si, que se pode cheirar — em Versalhes? É outro que está na minha lista de visitas a fazer.

      Lembro de ter visto a maleta de toilette de Napoleão, que era grande e notório consumidor de água de Colônia, tanto por via externa quanto por via oral.

  • Cleide Vieira

    oi Dênis. Grasse é uma gracinha de cidade e há coisas muito bacanas a fazer. Nesse museu que fui há um jardim com essências que saem como um vapor.Por exemplo há uma roseira e você sente o aroma de rosas, outro de limão e por aí vai. Muito interessante. Também fui a uma visita numa perfumaria chamada Fragonard e lá eles fazem uma brincadeira com os visitantes. Colocam umas latinhas com essências e você tem que colocá-las em cima das figuras da fragrância correspondente. Lembro que fui por eliminação, as cítricas eram mais fáceis, mas empaquei no couro e no chocolate rsrsr. Aliás, a de chocolate não se parece em nada com a iguaria depois de virar uma deliciosa barra. Ao final da visita você sai dos subterrâneos e cai direto na loja da marca para comprar os produtos.

    Sobre a nécessaire da Maria Antonieta ali tb tinha um prato e um talher, eu tirei foto e sempre mostro às pessoas que lutam com o problema de peso nas viagens.

    O museu de perfumes em Versalhes eu não conheço, pois, quando lá estive,há anos, foi algo muito relâmpago, mal tive tempo de admirar aquela beleza (sabe essas pessoas que fazem turismo à jato? kkk, pois bem, era uma dessas que me acompanhava) Já em Grasse fui de manhã e passei o dia lá, sozinha, aproveitei ao máximo, almocei divinamente e depois retornei à Nice. Um dia na Provence u-la-la rsrsr. Um abraço e ótimo final de semana. Cleide