Semana passada falei da minha visita a Cartier para conhecer a coleção Les Heures du Parfum. Agora conto a trajetória curiosa de de Mathilde Laurent, perfumista da casa. Ela aparece a público — mas não muito, você vai ver — pelas mãos de Jean-Paul Guerlain. Ainda uma estudante da ISIPCA, escola de perfumaria em Versalhes, ela é contratada como assistente de J.P. Guerlain. Ela já era boa assim. Ou seja, Laurent faz linhagem direta com o melhor da perfumaria: das mãos de Jacques Guerlain, avô e mestre de Jean-Paul, saíram algumas das fragrâncias fundamentais da casa como Mitsouko, L’Heure Bleue, Après L’Ondée e Shalimar.
Das criações de Mathild Laurent para a Guerlain, Guet-Apens é o mais celebrado. Foi lançado em 1999 e não creditado a ela na época. Mathilde sairia da casa em 2004, sendo contratada quase imediatamente pela Cartier para a produção de perfumes sob medida — ou seja, desenvolvidos para um cliente específico e não disponíveis no mercado, uma passagem que Luca Turin descreve como “o maior desperdício de talento humano desde que Rimbaud decidiu estudar engenharia”.
Guet-Apens foi relançado em 2005 com o nome Attrape-Coeur, dessa vez creditado a Jean-Paul Guerlain — pouco depois foi descontinuado, deixando uma legião de fãs. Também é dela Shalimar Eau Légère, versão um pouco mais leve e pop desse clássico opulento, que substitui o cítrico da bergamota por um delicioso acorde de torta de limão. Depois de pesar toneladas de Shalimar nos laboratórios da Guerlain, ela sabe o que fazer. Este pode ser encontrado no exterior.
Para Cartier é dela o lindo holograma de lírio em Baiser Volé. Floral precisa de ruído para ficar interessante, equação que ela resolve registrando a flor inteira: está lá o verde e úmido do caule, o leitoso do pólen, a exuberância floral. Também é dela a versão de Déclaration, Déclaration d’un Soir. É uma bela extensão do original: ela mantém o assunto sobre especiarias de Jean-Claude Ellena, numa leitura mais transparente e com o acréscimo de rosa.