Resenha: Voyage d’Hermès — ou A viagem de Jean-Claude Ellena

Jean-Claude Ellena, perfumista exclusivo da Hermès, se orgulha de trabalhar com uma palheta pequena de matérias-primas, tanto à disposição no laboratório quanto no perfume pronto. Se considera acima de tudo um ilusionista, que recria fragrâncias que existem na natureza com centenas de moléculas com o que a tecnologia permite. Ao longo do tempo essa economia de recursos, não de criatividade e maestria, vai se tornando o estilo de Ellena, que busca composições cada vez mais limpas, legíveis e translúcidas.

A mesa de Ellena. Foto: Richard Schroeder

A mesa de Ellena. Foto: Richard Schroeder

Dá para dizer que isso atinge o auge na série Hermessence, criada em 2004. São nove perfumes vendidos exclusivamente nas lojas da marca — ele os chama de haikus, como a poesia concisa japonesa. Nessa linha específica o resultado as vezes é tedioso, mais para exercício conceitual que perfumaria, tão cristalino e puro que já foi dito que poderia ser rotulado Vodka. Enfim o feitiço passou, Ellena lançou no fim de 2012 um floral enorme chamado Jour d’Hermès. Afinal gênio não tem estilo. Estará disponível na loja brasileira em março. Pelos comentários é um bouquet de flores, sem destacar nenhuma específica, que resenho quando conseguir uma amostra.

Voyage gira em torno do cardamomo, chamada especiaria fria no jargão da indústria, que tem facetas de chá, floral e de laranja. Em ataque tende mais para a delicadeza de um floral que para o cortante do cítrico. A especiaria é um perfume sozinho, encantador, aparece aromatizando gin e balas, como as Pastiglie Leone que tive a sorte de ganhar da amiga Elza Tamas.

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Pastiglie Leone. A de cardamomo é a amarelinha. Foto: Elza Tamas.

Ellena já tinha explorado essa nota no Déclaration (Cartier), junto com cominho, que resenho amanhã. Voyage evolui de modo bonito, se revelando devagar. Abre discretamente com uma nota contida de raiz de íris, alguns minutos depois aparece o cardamomo. As facetas se alternam, primeiro o aspecto chá é evidente, delicado e floral. Depois o cítrico cresce, reforçado por uma nota de laranja que persiste até a secagem. Resta então uma madeira discreta, polida, muito confortável. A impressão total é arejada, clara, ampla e luminosa, bem equilibrada entre o frescor delicado e a madeira.

Voyage

Voyage d’Hermès.
R$349,00 (35ml)

Em perfumarias selecionadas.

  • Elisabete Rocha Pagani

    Lindo! O perfume e o texto.
    🙂

    • Obrigado! É um perfume lindo sim, daqueles impossíveis de não gostar. meu palpite é que vende muito bem, se é que isso importa.

  • O impacto da leveza nos leva a rescender como um incenso esfumado que consagra o ambiente. São toques mágicos, que nos conduz a um estado onírico e reconfortante. Achei muito suave o texto e a sugestão que induz ao aroma. Parabéns. Paulo Cezar.

    • Obrigado, Paulo! perfume é fantasia e conforto, a definição que mais gosto é que é um substituto para uma orquestra te acompanhando, tocando o tema de sua escolha.

  • minha mãe há um tempinho, sentiu o aroma numa daquelas pequenas cópulas de perfume em revista, se apaixonou e esperou o momento certo pra alguém trazer ele da terra de origem pro Brasil…toda vez q ela o usa, tão leve sua textura, num veloz lapso, imagino a crista do cavalo q corre sob água vasta o vapor deixando rastro, a magia é tanta, minha mãe fica tão elegante. tem algo da alma dela q acompanha toda essa profusão de sensações suave, como ela é para mim na vida.

    • Aaron, que gostoso uma mãe de sensações suaves. me ocorreu durante a escrita que o perfume tem essa leveza, um arejado, que se o que todas as viagens tem em comum é novidade dos ares, elas estão bem representadas nesse perfume.

      • Elisabete Rocha Pagani

        Em defesa do frasco: (tenho o perfume de 35 ml)
        ele se encaixa perfeitamente na necessaire sempre cheia, porque é magrinho,
        nao corre o risco de vazamentos, pois está protegida a bomba do spray,
        fica bem nas posicoes deitado ou em pé,
        a parte de vidro exposta é pequena, me parecendo menos frágil que qualquer outro.
        Ademais acho bem bonito o contraste prata com o vidro negro (ou será vinho acinzentado?).
        Será neura de exfumante? parece uma carteira de cigarro?
        Aliás, Denis, na foto que vc publicou o vidro é translúcido?

        • Hmm, o de vidro escuro é a versão eau de parfum! escrevi sobre o eau de toilette, que é o que tenho aqui. se tiver uma loja perto pode ser legal comparar, um em cada braço, para ver qual a diferença. vou concordar que a bomba protegida é legal e que o formato mais quadrado viaja melhor, mas não sou fã do movimento entre tampa e garrafa. para que complicar?

  • Foi o perfume mais recente aqui de casa, comprado pra viagem de Ano Novo. Apesar de ser especial tem um frasco tão sem graça.

    • Poveza, também não gosto do frasco, para que complicar?

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  • Dear Dênis, concordo em saída, coração e fundo com a descrição do perfume, mas devo dizer que a embalagem me agrada muito – aliás, ganhou o frasco ganhou o prêmio de melhor design em 2011, se não me engano. Na época em que foi lançado – 2010- fiz um texto para a revista Elle falando da relação entre os signos e símbolos da marca e o desenho do frasco – recuperei essa parte em meus arquivos:” A parte de metal da embalagem faz referência direta ao estribo de uma cela de montaria e o movimento dessa peça tenta reproduzir a rotação da terra, sugerindo uma viagem pelo mundo”. Como a grife tem sua gênese na expertise de malas para viagem – . começou como fabricante de selas e, a galope, ganhou o mundo, nada mais lógico do que esse design, não? .

    • oi, bel, gosto bastante quando o projeto é amarrado com a natureza da marca, o conjunto é sólido, tem bom peso, mas não gosto do jeito de usar. rodar a tampa para fechar não é muito lógico. não sei, me pareceu “desenhite”, mania de inventar. se for para mexer em qualquer coisa tem que melhorar o jeito de usar, e não acho que melhorou.

      PS: comprei uma elle ontem para te ler e perdi antes de chegar em casa! quando vc escreve sobre o lançamento da nina ricci?

      • oi Dênis, vc tem razão qto à praticidade. Realmente deixa a desejar, embora o design dele seja bem interessante. Sobre a Elle, eu agora escrevo só de vez em qdo pra revista – virei free lancer! e a matéria do Voyage saiu em 2010, faz tempo.. O texto do Nina Ricci deve sair em abril, se tudo der certo..

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  • Leandro Ricardo

    A intenção do Voyage é exatamente essa , ele não quer ser nenhum perfume ,quer passar meio que despercebido. Li algo falando que Ellena fez um apanhado de seu prediletos e colocou no Voyage . Quanto ao Jour , me deixou meio desconcertado aqueles contrastes, pq quando cheiramos o que temos de memória floral é bem opulento , e ele se mostra cool , chique e indiferente … Um floral diferente !

    • Leandro, concordo quanto ao Voyage parecer outros perfumes de Ellena. Outro dia eu usava o Déclaration, que cada vez gosto mais, e tem um momento que ele fica muito parecido com o Voyage.

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