Resenha: Déclaration, Cartier

Esse não tem meio termo, ou se gosta ou não se gosta. É uma combinação de especiarias, o cardamomo com seu aspecto floral, chá, meio etéreo, aparece na frente. O drama vem agora: cominho! A associação direta é com o cheiro de suor. A pimenta do reino também entra, pinicando o nariz — e reforçando a ideia de suor? Na secagem a impressão maior é da pimenta, com aspecto de madeira bruta, terrosa e cheia de ângulos, que é bem interessante. Em volume é tudo bem ajustado, nada pesa ou entope.

Aqui uma anedota real: um amigo não come queijo de cabra porque, ele me disse, sente o gosto da cabra. Contei para um outro amigo que se identificou, também não gostava e pelo mesmo motivo. O segundo é um glutão, não comprei a história.

— Mas você come queijo de cabra, não come?

— Como.

— E a cada pedaço pensa se ele tem mais gosto de cabra ou de queijo, até acabar?

— É.

— Então você ama queijo de cabra.

Estou com Kouros (1981) no braço esquerdo, Déclaration (1998) no braço direito. Kouros tem o tamanho de tudo dos anos 80 e é barroco, a explosão do detalhe. Déclaration tende ao límpido e legível, falsamente simples, que é o estilo do seu criador, Jean-Claude Ellena. Mas penso se não falam do mesmo tema.

Em algum do seus livros Ellena conta a memória de, ainda menino, acompanhar a colheita do jasmim para destilação em Grasse, no sul da França. Era uma atividade feita apenas pelas mulheres, sob o sol, enquanto ele brincava. E se lembra com carinho do perfume daquele trabalho: uma cesta de jasmim nos braços suados das mulheres.

Em mim o efeito de Déclaration é parecido com o do queijo de cabra para meu amigo. Fico encantado entre cardamomo e cominho, resolvendo o que prevalece, sem chegar a conclusão nenhuma.

Déclaration, Cartier.
R$157,00 (30ml)

Nas perfumarias.

  • Ciça

    A profusão de imagens que você propõe e dispõe generosamente é um verdadeiro encanto. Adoro seus posts.

    • Obrigado, Ciça! achei um objeto querido para dar vazão ao texto, está sendo gostoso de fazer isso aqui.

  • Uma sugestão: Bigarade Concentree, de Jean-Claude Ellena.

    • Marcelo, acho que cheguei a conhecer na loja mas não me lembro mais, teria que testar novamente. eu tenho a impressão que uma multimarcas de nicho em s.paulo venderia muito, mesmo com preços altíssimos.

      • Aliás, preço altíssimo é o que não falta aos perfumes bons (e ruins) vendidos no Brasil. Avise-me quando quiser testar o Bigarade! Abraço (ah, parabéns pelos textos).

        • Marcelo, to bolando o melhor jeito de fazer essas expedições aos armários das pessoas, te procuro em breve. obrigado por dispor!

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  • Evandro Caldeira

    Você tem o sobrenome de uma marca de azeite que gosto. haha

  • Daniel Arata

    Incrível essa resenha!! Experimentei essa fragrância em uma loja com minha mãe e a primeira coisa que ela me disse foi exatamente isso: “Esse perfume tem cheiro de homem que acabou de bater uma laje!!”. Hahaha

    Inicialmente achei o mesmo. Mas dei uma oportunidade pra ver como se desenvolvia. Gostei, mas não faz meu tipo, não tenho tanta “personalidade” pra vestir tanta pimenta assim. Rs.
    Abraços querido! 😉

    • haha, ele é meio assustador na saída mesmo! mas se não bateu, não bateu, tem que continuar testando. abraço!

  • Já tinha experimentado na loja e não tinha gostado. Depois de ter lido sua resenha voltei, apliquei na pele e segui pelo shopping para ver como evoluía. Sei que isso vai mudar, mas comprei com a certeza de que hoje ele é o perfume da minha vida.

    • Sérgio, o Déclaration é dos poucos perfumes que volto com o mesmo gosto desde sempre. O gosto já foi para lá, para cá, e quando volto… bang! Tenho certeza que você fez uma boa compra.

  • Ubiratan

    Cheiros puramente cítricos não me agradam. Até já tentei usar para agradar aos outros, mas não deu, sinto muito. Mas a forma como o Jean Claude Ellena temperou a laranja do Declaration me fascinou. É um “cítrico que esquenta”, diria assim. Dênis, já cheirou Garam Masala? Cheire e depois prove Declaration…O “sujo, o suor”, vem da Alcaravia, que é muito semelhante ao cominho, não?

    • Ubiratan, não conheço Garam Masala. A alcaravia, pelo que entendi é o kümmel, que, se me lembro bem, é como um cominho com anis.

      Acho que vc pegou bem o espírito, tem leveza e borbulhas de frescor, mas com esse fundo aquecido de especiarias. Já procou Eau d’Hermès? Se parece com ele nesse sentido, esse quente/frio interessante, com uma nota animal mais marcada.

      • Ubiratan

        Exatamente isso: um “cominho anisado”. Anotei o Eau d’Hermès, obrigado pela sugestão. Quando puder, experimente o Garam Masala….percebo-o prontamente neste “calor” do Declaration. Abs.