Tudo já foi dito, tudo já foi feito, mas não sob todos os ângulos. Um criador (de qualquer coisa), para ser original e interessante, precisa de um ponto de vista. A Chanel sem dúvida sabe qual é o seu quando vai criar uma nova versão de No 5. Essa é a resenha do lançamento Chanel No. 5 L’Eau.
O primeiro passo é esquecer o Eau da história. No primeiro teste fiz nariz de perfume fresco e frustrou. Sim, tem um acorde aquático ali no meio, mas não registra como melão/melancia como os aquáticos dos anos 90. Ele só aparece se você pegar uma agulha, virar o perfume do avesso e começar a puxar os fios. Sem dúvida não é o assunto principal. O nome está mais para colocar No. 5 L’Eau entre os outros para o mesmo público do que para antecipar o que está no frasco.
O ponto de vista do No.5 é burguês, chic e adequado.
No. 5 L’Eau abre com o que fez o No. 5 clássico ser moderno para a época: aldeídos brilhantes e elétricos, efervescente e tratado com leveza, com um ponto que lembra casca de laranja. E isso é o máximo de frescor que vai sair daqui.
Junto disso já vem o tema principal: uma brancura que oscila entre cremosa e talcada, com uma boa dose de baunilha para deixar tudo mais contemporâneo, mais jovem, pop, e dizer que, sim, é um perfume de 2016. Ao longo do tempo o talcado cresce e a baunilha fica mais marcada, sem perder de vista o acorde floral do No. 5 tradicional.
Uma das grandes qualidades é proporção e o volume que ocupa. Num mundo que tudo grita, quem fica mais na sua e, quando perguntado, tem coisas interessantes a dizer, ganha. Também ajuda a diminuir o compromisso — hoje, quem banca usar No. 5 todo dia? Tudo registra refinado, polido, bem acabado, de bons modos, adequado, sem ser monótono. É envolvente, abraçante, dá uma afastada do mundo e faz sentir confortável — usei para dormir numa noite mais fria (oi, 20 graus) e me senti num colchão novo, com lençol melhor.
Me dá a sensação de tecido muito macio e quente — um cashmere fininho? — gostoso de sentir na pele, e, pelo menos para mim, é o tipo de perfume impossível de usar no calor ou com umidade demais. Me sentiria sufocado. A duração é ótima até na minha pele, que detona os perfumes. Salve para a Chanel, que faz a marca No. 5 render mantendo a classe da coisa.
Outros perfumes com sensações parecidas: Cacharel Noa, sem baunilha e com um pouco mais de adorno, e Kenzo Amour, uma baunilha sequinha e com ótima proporção.