Bem mais que um fresquinho | Resenha de Guerlain Acqua Allegoria Pamplelune

A Neide Rigo, pesquisadora das comidas, rainha das PANCs, exploradora dos matos de comer, é fã tão grande do sabor amargo — jiló, almeirão, endívia — que gosta até de Novalgina. Jiló aprendi a apreciar e nos drinks costumo orbitar para os amargos, mas gosto deles de verdade sobre a pele, nos perfumes.

O talcado medicinal, florestal, do musgo de carvalho, tão importante nos clássicos, do meu querido Chanel Pour Monsieur, o patchuli terroso que sustenta a coluna de Lolita Lempicka Eau de Parfum, que fico esperando aparecer mil horas depois de borrifar. Não faz muito tempo usei um acesso ao The Body Shop para fazer campanha pela volta do sabonete líquido Pink Grapefruit: exageradamente perfumado e colorido, tão amargo quanto azedo, simples e litros de diversão. Pararam de importar porque não pegou.

Grapefruit é a nossa toronja, uma laranja enorme e amarga, com a polpa vermelha, azeda de fazer careta na maioria das vezes (um desbunde quando está docinha). É para ela que corro nos dias de calor em que quero algo que corte a umidade, que tenha um certo impacto e alguma coisa pop — tem dia que os clássicos não resolvem.

Guerlain Acqua Allegoria Pamplelune é uma toronja de melhoramento genético, como se você puxasse o ajuste da saturação para o extremo. Foi criado por Mathilde Laurent, hoje perfumista exclusiva da Cartier, quando trabalhava na Guerlain. 

Toronja não é uma matéria prima rara mas aparece mais como um brilho na hora da borrifada. Ninguém tinha dado um zoom nela antes, amplificando todos os lados da fruta. Pamplelune é super ácido, faz zing nas papilas, é amargo, é esquisito — às vezes pego um cheiro sulfuroso, quase como de suor. 

O drama dos perfumes frescos é ficarem bobos em 10 minutos mas garanto que não é a questão aqui. Já na borrifada você percebe um patchuli moderno: mais o lado terroso e amendoado que o cheiro de armário mofado. Serve para dar corpo, profundidade e personalidade. No final resta o acorde do patchuli com a baunilha, um rascunho do que são todos os perfumes gourmands do mercado, numa modulação leve e gostosa. 

É a minha salvação no verão, quando quero alguma coisa a mais que um cítrico, e quando as colônias clássicas, que também aprecio, parecem clássicas demais. É bem mais que um perfume fresquinho e o mais interessante da linha Acqua Allegoria.

Foto de Louis Hansel @shotsoflouis no Unsplash. Editada.