O mito Guerlain

Chegando no número 68 do Champs-Elysées, se estiver com sorte, vai ser recebido por uma fachada decorada de flores. Recomendo entrar pelas portas do lado direito, onde as superfícies de mármore cor de vinho acolhem e os balcões nas quatro esquinas do quadrado te põem no centro.

Na imagem: Thierry Wasser, atual perfumista

Esta é a antiga loja, o mítico endereço da Guerlain em Paris, local de peregrinação de quem ama perfumes. Do lado esquerdo está sua versão moderna e hiperiluminada, reformada em 2013. Então suba a escadinha estreita — de joelhos é opcional — para os antigos apartamentos da família.

Guerlain representa uma tradição grandiosa, iniciada em 1818, de perfumes ricos e complexos, sensualmente inspirados pelas mulheres. A linha clássica da marca (a definição é informal), grosseiramente aqueles criados até 1970, é um emblema desse estilo — veja Shalimar, Jicky, criado no mesmo ano e pelo mesmo motivo que a Torre Eiffel, ou pegue Samsara, que é vendido no Brasil, para ter uma idéia.

A empresa permaneceu familiar até 1994, quando foi vendida para a LVMH. O atual perfumista é Thierry Wasser, o primeiro não-Guerlain a comandar a criação. Por sua iniciativa, alguns perfumes históricos foram reproduzidos de acordo com as fórmulas originais, encontradas nos arquivos, usando as mesmas matérias primas disponíveis quando foram criados. Não é pouca coisa.

Isso significa localizar óleo essencial de bergamota bruto, menos purificado, por exemplo, localizar bases (como mini perfumes comprados prontos, que eram parte da composição) de empresas fechadas há muito tempo. Pao Rosa, perfume de 1877 voltou a existir, Shalimar pode ser sentido como imaginado por Jacques Guerlain em 1925.

A intenção de Wasser é ter uma idéia clara da tradição a ser respeitada e avaliar o estado dos perfumes que ainda são fabricados. Basta lembrar que hoje a indústria de perfumaria é sujeita a regulação de uso de matérias primas que não existia quando os perfumes foram criados. E numa indústria em que o segredo e o controle do discurso são a regra, é muito bem-vinda a iniciativa.

Esses perfumes só podem ser conhecidos por agendamento, na loja do Champs-Elysées. Estive lá em novembro de 2014, na antiga sala de composição usada por Jean Paul Guerlain, último perfumista da família a comandar a marca, para conhecer estes perfumes. Num próximo post conto um pouco da história desta família e sobre a minha visita, incluindo o encontro inesperado com Thierry Wasser e sua mãe.