O mundo precisa de mais um floral-frutal grudento? Não. O mundo precisa de mais um vetiver bem feito? Sim, por favor! Encre Noire acabou virando meu perfume para todas as situações. Aguenta calor sem derreter, é presente sem ser intruso, dura longamente, tem energia e transparência para o dia, tem estrutura óssea para a noite. Não é pouca coisa.
Foto: Eunice Hong
O vetiver é uma madeira clássica da sessão masculina da perfumaria, e, para um mundo que não tem costume de ligar cheiro com o nome de coisas menos familiares que rosa e jasmim, é curioso ter ido parar no rótulo dos perfumes. Para quem gosta de saber de onde vem as coisas: vetiver é um capim, o óleo essencial é extraído das raízes. Em isolamento ele é uma delícia de complexidade. Seco, enfumaçado, e geladinho de terra molhada, com uma qualidade aerada, um frescor, capaz de ficar sem peso.
A saída de Encre Noire é verde muito escuro. Tem um pouco do verde pinhoso de ramos de cedro, dando uma piscada para os perfumes masculinos dos anos 70. E junto com isso a fumaça, o defumado seco/amargo do vetiver, apontando mais uma vez para o escuro. O mais legal é que consegue manter a transparência, um efeito translúcido, sem virar um coquetel de madeira para o inverno. Se esse fosse um mundo justo, os louros teriam que ser divididos com uma matéria prima sintética chamada cashmeran, que está presente às toneladas no perfume. Ele aparece nos créditos como madeira da caxemira. O nome ajuda a entender: madeira macia como cashmere. Também é deliciosamente complexo, se sente os veios delicados mas tem um ponto de calor e um lado mineral/salgado interessante. É ele, principalmente, que vai restar na pele no fim do dia.
Depois da saída mais verdosa, Encre Noire vai mudando devagar, sem giros dramáticos. E tem aquela qualidade adorável que é ficar na dele, mas quando você pára e pergunta, tem sempre algo interessante a dizer. A coisa toda é refinada e elegante num tratamento moderno, sem ser pop ou baladeiro. Entre os perfumes novos (é de 2006), é dos mais bonitos no mercado hoje.
Mais do que nunca, esse é um que vale comprar em viagem: paguei 130 reais o frasco de 100 ml, enquanto o preço aqui é R$400 na tabela. Só é esquisito que o borrifador não faz um spray mas sim um jato, como uma mangueirada, jogando uma colher de sopa de perfume onde você apontar. Não sei se é defeito do meu. O frasco é lindo. Falando com amigos, parece que passou por uma reformulação, e ficou menos amargo, menos “tintoso.” Certamente tenho a versão reformulada.