Calor de pele depois do sol — L’Artisan Parfumeur Séville a L’Aube

Por que não falo mais do L’Artisan Parfumeur? Uma pergunta que não sei responder mas que quero dar conta em breve. Talvez seja a marca de nicho mais popular, criada em 1976 (só a Diptyque é mais antiga, lançou perfume em 1968). Pelo que vejo acaba funcionando como batismo perfumístico de quem vai a Paris — naquele espírito de garantir o devaneio futuro, colando a viagem no perfume. De quebra, o preço é bom, as criações também. O meu favorito ultimamente é Séville a L’Aube, qualquer coisa como Sevilha ao Amanhecer. Mais sobre essa história a seguir.

A saída é semelhante às colônias tradicionais, verde e fresca de petitgrain (extração da folha e botão de uma espécie de laranja), com néroli (do mesmo cítrico, só que da flor), com um floreio a mais de flor de laranjeira. Ajuda a reforçar a flor de laranjeira um acorde mel, sem chegar a ficar um floral opulento e engolidor de gente. Até aqui é um perfume com brilho e fagulha — se a gente estivesse se vendo eu estalaria o dedo. Devagarzinho a coisa esquenta mais e chega no filé, que é quando se destaca um acorde tabaco com a faceta mel. Esta é a parte que fico esperando quando uso, com textura macia como um lençol muito bom. Me dá a sensação de pele aquecida depois de um dia ao sol, idéia de languidez, torpor. O mel é apenas um acento, não dá para dizer que é um perfume doce, e vale lembrar que tabaco não cheira a cigarro. Na minha cabeça é um perfume que tem cara de dia ou de noite quente.

Séville a L’Aube foi assinado por Bertrand Duchaufour com direção artística de Denyse Beaulieu, do excelente blog sobre perfumes Grain de Musc. A história é a seguinte: meses depois de conhecer Duchaufour, Beaulieu lhe contou sobre um feriado que passou em Sevilha. Era Semana Santa, as laranjeiras da cidade floridas ao exagero. A cidade embalada nos seus deveres católicos numa animação de procissões, todos participando banhados e perfumados com colônia, queimando velas de cera de abelha. E na grande procissão da Sexta Feira, assistindo embaixo de uma laranjeira, ela conheceu Ramon. Ele enrolava os cigarros que ia fumar.

— Isso dá um perfume, disse Duchaufour. Não sei se ela entrou em detalhes sobre o que aconteceu de madrugada.

Essa história está no livro Perfume Lover: A Personal History of Scent, com todas as minúcias de desenvolvimento do de Séville a L’Aube, e mais sobre o assunto perfume e seus personagens.

Foto: Turismo Sevilla, com alterações

  • Caroline Barros

    Um dos meus favoritos! Sempre ganho mts elogios com ele! <3

    • Ha! Ele tem cara de muito elogiado… to aqui me coçando pra comprar, haha.

  • Elisabete Rocha Pagani

    Que bacana a história do perfume, Dênis! Me lembrei de um entardecer na estrada, voltando do interior de São Paulo passamos ao lado de uma imensa plantação de laranjas e as árvores floridas exalavam agradavelmente e, por alguns quilômetros desfrutamos essa epifania olorifica. Deu pra imaginar a delícia da cera de abelhas queimando (meu estúdio se enchia delas quando derretia cera para encáustica), as procissões no Tatuapé, um tabaco de fundo (o armário onde meu pai guardava o rolo de fumo para o cigarro de palha)…
    Bem, o primeiro que for a Paris me traga esse pote de lembranças por favor.

  • Eduardo Lima

    Mais uma empolgante e efetiva resenha, Dênis! Vc é genial!