Mais uma vez Annick Ménardo faz a proeza, além do perfume ser simplesmente puro prazer, o que já estava excelente, tem uns elementos para atender ao cérebro também. Desde o nome à imagem o Poison original é ligado ao veneno, e em concordância com isso o perfume tem a potência intoxicante da tuberosa (angélica), essa flor monstruosa.
Poison é um jogo de bom (cheira bem e quero sentir mais) e ruim (sinto tanto que estou sufocado) que o torna difícil de resistir. Esse resistir é inútil é a própria graça da tuberosa — comprei um maço uma vez só, a casa é pequena e sentir o perfume foi compromisso para uma semana inteira. E fiquei esperando um morcego entrar pela janela para chafurdar nas flores: não é um perfume bonitinho, para atrair borboletas coloridas.
É de intoxicação que Hypnotic Poison fala mas pelo caminho da amêndoa amarga, pequena delícia cheia de cianureto, veneno letal imortalizado em Um Brinde de Cianureto, de Agatha Christie. Aqui, ao invés de atacar em busca da vítima, o perfume atrai para sua dose fatal. A mistura de côco, sândalo e almíscar faz um creme untuoso, amanteigado que é quase pornográfico em sua delícia. Quando leio côco em descrição de perfume já faço uma careta, mas, acredite em mim, aqui ele funciona como umas boas colheradas de manteiga imaginária, e não fantasia tropical. Esse creme é temperado com baunilha e, claro, amêndoas. Logo depois que se começa a salivar a tuberosa mostra seus dentes através de um aspecto floral esquisito, ligeiramente metálico: é tarde demais para escapar.
Ao invés de só fazer uma baunilha em Bulgari Black, a especiaria aparece desvirtuada com borracha, os lados aparentemente dissonantes unidos pela faceta enfumaçada que dividem. Em Hypnotic Poison quem liga opostos é o próprio côco: a amêndoa e a baunilha através do aspecto cremoso, a tuberosa trás a própria nota côco em si. Ao longo do tempo o floral se dissipa e a secagem do perfume é deste cremoso irresistível. Desconfio que faz ótimo perfume para dormir, envolto e embalado num sono de cianureto. Excelentes rastro e duração.
Sobre versões
A marca lançou uma versão eau de parfum em janeiro desse ano, que não conheço. Se alguém quiser/puder mandar uma amostra, é muito bem vindo. A resenha é sobre a versão eau de toilette, de 2008. De lá para cá o perfume foi reformulado algumas vezes — e dizem que mudou para pior (sempre é). Quando testar a versão atual volto aqui para fazer o ajuste. E obrigado a Vanessíssima pela amostra!
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Imagem: Lucrecia Bórgia, notória envenenadora. (Lucretia Borgia Reigns in the Vatican in the Absence of Pope Alexander VI, pintura de Frank Cowper)