Mais uma colaboração para o UOL Beleza, desta vez indicando perfumes para o verão — o texto foi publicado na estação em si mas dependendo de onde se está vale para o ano todo, não? Vanessíssima, moradora do Velho e Quente Oeste paulista, estou olhando para você.
Tem a família chá que nasceu como costela do Bulgari Eau Parfumée au Thé Vert, Cristalle, o único que refresca no verão, e umas madeiras leves, que acho que funcionam bem no clima. L’Eau par Chloé, que falei no último texto para o site entra nessa categoria, mas não inclui para não me repetir. E no link tem a galeria com os produtos.
Foto: O difícil verão em Long Beach circa 1910. Via The Library of Congress
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Quando você aplica um perfume num dia quente e úmido de verão, o resultado pode ficar aquela coisa esquisita feito cachorro molhado, cujo pelo ensopado revela um corpo que não tem nada a ver com a cabeça. Isso significa que é a hora de colocar os perfumes pesados, ricos em âmbar, almíscar, especiarias quentes, de lado e escolher alguma outra fragrância.
Uma opção é contra atacar com algo que corte o bloco de umidade e calor, como os perfumes verdes ou inspirados em chás. Madeiras de efeito seco como patchouli também funcionam, desde que num tratamento mais leve, tirando, pelo menos no olfato, a sensação melada, grudenta, que o calor dá. Quem não resiste ao floral, lírio, gardênia, tuberosa (a angélica vendida nos floristas) e flor de laranjeira, se forem num tratamento mais transparente, menos denso e açucarado, crescem com a temperatura, num efeito tropical muito bonito. O truque é aplicar com cuidado.
Bvlgari Eau Parfumée au Thé Vert é quem inicia a moda do perfume baseado em chá. Foi criado por Jean-Claude Ellena, atual perfumista exclusivo da Hermès, e lançado em 1992.
A história do perfume é curiosa porque inverte a dinâmica da indústria, em que a marca abre uma concorrência entre os fabricantes com um pedido claro. Ellena é apreciador de chás e passou anos aperfeiçoando seus esboços olfativos em visitas insistentes a uma loja parisiense conhecida pela variedade estonteante do produto. Um dia conseguiu autorização para cheirar todo o estoque. Depois de ter o perfume-protótipo recusado por algumas marcas, ofereceu à Bvlgari, que procurava não exatamente um perfume, mas, talvez, algo para perfumar as lojas que poderia eventualmente ser vendido, que ficasse num canto, mais com a intenção de polir a marca do que fazer dinheiro. Surpreendidos pelo sucesso de vendas na loja de Nova York, partem para trabalhar no Eau Parfumée au Thé Vert como o produto que é. Fez tanto sucesso que muitas marcas seguiram atrás, lançando suas versões. A ideia é tão boa que se poderia criar perfumes inspirados nas variações dos chás: com flores, mais tostados, caramelados, quantas declinações se quiser.
Eau Parfumée au Thé Vert é uma evocação do frescor e da vivacidade do chá verde, e tem pouca relação com o cheiro da coisa em si. Enquanto o Bvlgari ecoa a marca sendo um perfume de impressão bem refinada, Tommy Girl se apropria da ideia e a leva para outro ponto. Ele está na esquina perfeita do chá e do floral, com um efeito radiante, luminoso, cheio de brilho. As notas são perfeitamente mescladas a ponto de criar uma outra coisa, uma mistura de maçã verde com uva verde com uma flor inventada. O efeito é jovem, brilhante como uma manhã de verão antes do Sol pegar fogo. E ainda com algo de humano, sem a impressão de laboratório que florais cristalinos podem dar. Shiso, de Roger & Gallet, também explora a proposta, desta vez falando sobre o chá antes de ser feito. Mais que chá seco, tem cheiro de palha, de mato seco.
Gálbano
Num caminho menos trivial está Chanel Cristalle. Criado nos anos 1970, momento de movimentos feministas no auge, mulheres endurecidas lutando por direitos, é quase o contrário dos perfumes femininos de hoje, que pedem (imploram?) para serem gostados, numa overdose de açúcar, de fruta, de flores, de calor, que se arremessam sobre quem os sente.
Cristalle é literalmente gelado, com a saída amarga por causa do seu ingrediente principal, o gálbano. Ao invés de chamar atenção pela exibição, chama pela frieza olfativa e em espírito — e quem é que vai reclamar de frieza no auge do calor?
O gálbano é uma resina extraída do caule de uma planta, matéria prima potente, verde e úmida como um talo de alface. Combinada com aldeídos, moléculas aromáticas de efeito metálico, a sensação é que o perfume corta a temperatura com uma faca. O nome não poderia ser mais adequado, a impressão é de um cristal esverdeado, transparente e faiscando na luz. A versão Eau de Toilette é a tradicional, de 1974, que foi descrita aqui, a Eau de Parfum é de 1993, e reforça as notas florais, num outro espírito.
Madeiras
Ainda nessa linha mais austera, perfumes com efeito amadeirado seco, desde que não sejam muito opulentos, também ficam confortáveis. Dahlia Noir L’Eau tem um efeito moderno de patchouli limpo, que pinica o nariz levemente, sem a parte úmida, terrosa, que era a marca das essências usadas (nunca numa quantidade razoável) nos anos 70. A saída verde é agradável em temperaturas maiores e o amadeirado estende a duração de um modo mais adulto. O perfume não tem nenhuma relação com o Dahlia Noir original, que é um floral talcado de projeção gigantesca.
Para quem não quer deixar o floral de lado, o segredo é escolher e aplicar bem, sem exagerar. Borrifar atrás dos joelhos dá um efeito interessante: está distante do nariz e evita o risco de sufocamento porque o perfume só te visita de vez em quando. Pense na dama-da-noite: o perfume é bom até porque é assustador de tão forte mas você não quer sentir o tempo todo. E melhor partir para aqueles menos espessos, menos adocicados.