Ainda sobre incensos — Per Fumum, de Rosângela Rennó

Rosângela Rennó em ação

Rosângela Rennó em ação

Aconteceu em janeiro, em Paris, a performance Per Fumum, de Rosângela Rennó. Ela ocupou alguns espaços da Fundação Cartier com 11 incensos diferentes, todos na sua forma mais natural, a resina colhida de árvores e sem qualquer mistura. Por vários caminhos a performance esbarra no nascimento da perfumaria. A queima de incensos com função religiosa, fazendo a ligação do mundo terreno com o espiritual pela fumaça, é de fato a origem da palavra perfume. E qual não foi a minha surpresa quando a própria Rosângela me escreveu. Ela é leitora do 1 nariz e fui convidado a participar da performance descrevendo os incensos, um texto que foi declamado junto de cada um deles. O trabalho dela inclui fotografia, objetos, instalações e performances, e tem obras no acervo do Inhotim, Tate Modern e Guggenheim em Nova York.

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Alguns dias depois do contato recebi pacotinhos de incenso em casa. Entre eles o brasileiríssimo breu branco, vindo do Mercado de Ver o Peso, em Belém, mirra, olíbano, que na perfumaria se chama somente “incenso.” E outras resinas que conhecia de perfumes e não imaginava que se usasse para queimar, como gálbano, benjoim e estoraque. Num outro post entro em detalhes sobre cada um deles.

A Fundação Cartier é um espaço expositivo, preparado para receber obras em todos os formatos, num prédio moderno — e com um sistema de detecção de incêndio. Foi com alívio que a Rosângela escreveu dizendo que o alarme não disparou no teste. Mas minha cabeça não conseguiu deixar de imaginar jatos de água lavando as paredes cheias de fotografias, TVs entrando em curto, um eventual totem à deriva na correnteza.

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perfumum 01A queima envolve um carvão impregnado de pólvora, que, descobri na marra, libera uma fumaça nem de longe parecida com o cheiro de fósforo ou bombinha queimada, cheiros de casa da vó e festa junina, com fãs de longa data. As gotas de resina sólida vão sobre o carvão em brasa. E apareceu a primeira dificuldade.

Enquanto com o perfume você consegue aproximar e afastar o nariz de onde ele está, uma fita ou a pele, e assim regular a potência do que cheira, com o incenso é impossível. Se você se aproxima e inala fumaça demais todas as resinas ficam mais ou menos parecidas, densas, opacas, e com tanta potência que esgota o nariz. Espalhar a fumaça com a mão ajuda mas não resolve. O incenso é caprichoso como um gato, se chamar demais ele ignora, se esticar a mão ele te unha. Tem que ficar de lado, de canto de olho, e a fumaça vem.

A minha sorte foi um dia sem vento, com a casa aberta, meio fazendo a fumaça circular, meio mantendo o objeto de estudo disponível. Intercalava umas fungadas de incenso com ficar no banheiro de porta fechada, para voltar com o nariz fresco. Consegui o que queria mas não impediu uma tontura de falta de ar no fim da série. Volto no assunto em breve.

  • Careimi

    Que máximo!
    Incensos como gatos…adorei a analogia.
    Já leu o livro da Mandy Aftel e o que ela fala sobre eles?
    Aguardando os outros posts sobre incenso e resinas…

    • Careimi, não li nada dela ainda, acredita? No momento estou pego no What the nose knows, do Avery Gilbert, cientista do olfato falando sobre tudo. De quantos cheiros existem, classificação de cheiros, pesquisas, numa linguagem acessível. Recomendo muito. Vou escrever sobre ele em breve.

  • Que incrível! Tá, o final, com você passando mal, não foi incrível, mas o resto foi sim. rs

    • hahaha, uma tonturinha gostosa, me prometi repetir uma vez só!