
Canna Red and Orange, Georgia O’Keeffe
Rosa é um assunto legal em perfumaria. Assim como na vida real, em que cada cor tem seu cheiro distinto, são tantos os tratamentos possíveis que daria para passar uma vida mapeando. A perfumista Sophia Grojsman é mestra no assunto. É dela o transbordamento de pétalas de Paris (Yves Saint Laurent), a rosa suave e macia — depois da abertura dramática — de 100% Love (S-Perfume), de que volto a falar, e também Trésor (Lancôme). Essa é a primeira resenha pedida pelos leitores do site através deste formulário. A amostra estava rodopiando por aqui há algum tempo, nada melhor que um pedido para fazer alguma coisa acontecer. Deixe o seu, atenderei todos na medida do possível.
Antes de mais nada é engraçado notar o perfume na época de hoje. Minha primeira impressão ao cheirar foi: isso é doce mas perto de um monte de coisa feita de lá pra cá, é uma bobagem. Trésor foi criado em 1990, Angel, uma bomba de açúcar que alargou a definição de doce e de invasivo, é de 1992.
Trésor é uma rosa em calda delicadamente combinada com pêssego. Os dois elementos estão bem lado a lado. Neste entrevista, a perfumista Mônica Rossetto destacou Trésor como um exemplo de perfume que utiliza o sintético Damascona, que tem esse caráter rosa e frutado ao mesmo tempo. A impressão não é em formato de nuvem envolvente, talcada, como Paris, para ficar na mesma perfumista, é mais translúcida como xarope/geléia, que considero mais fácil de usar, e as vezes parece aquele cheiro antigo, levemente oleoso, de barbeiro e brilhantina.
Entra uma bela dose de sândalo, com sua textura bruta de madeira esculpida no machado e um aspecto seco, empoeirado, que lembra mofo. Talvez o galho retorcido da roseira? Isso acrescenta um ponto de contraste que só aumenta o interesse, um fundo brutal para a rosa aparecer com sua carne de pêssego. Mas o fato é que não consigo tirar o nariz desse sândalo: é meio duro e pontudo. Prefiro o perfume depois de cerca de uma hora, quando a madeira dá um pouco de trégua e fica mais delicada, com um toque levemente salgado que é bem interessante. De qualquer forma, sândalo pontudo ou não, tem muito mais coisa a dizer para o nariz que uma batelada de floral recente. E um viva para o perfume (e não a propaganda) que consegue apontar uma história, sugerir uma fantasia. Que mais se quer para quando a gente se sente preso no Dia da Marmota? A projeção é enorme, manuseie com cuidado.

Trésor, Lancôme
R$259, 30 ml
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Nas lojas.
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