Resenha: Knize Ten, Knize — Os caminhos do couro

Quem procura couro em perfumaria tem dois caminhos: o chic ou o durão. O mais chic é Cuir de Russie (Chanel), um couro macio e bem trabalhado, finíssimo, flexível. Por mais que eu ame, talvez seja minha primeira resposta se me perguntam qual o melhor couro, mas é o tipo de perfume nada versátil: grandioso, envolvente, que exige atenção, aquele que sufoca no dia errado e já até cometi o sacrilégio de querer que ele suma no fim do dia. Knize Ten faz parte do segundo time com seu lado durão e também grande graça, uma mão tão firme quanto gentil. É uma raridade: foi criado em 1927 e chegou vivo até aqui, passando ao largo da fúria reformuladora da indústria. Mesmo se não temos um antigo para comparar, o que ainda é fabricado é magnífico.

Interior da loja em Viena, desenho de Adolf Loos

Interior da loja em Viena, desenho de Adolf Loos

Knize abre com uma enorme nota de alcatrão que faz com que você pareça saído de uma mecânica. O alcatrão é obtido pelo cozimento de casca de bétula (birch tree), fazendo um líquido preto, viscoso usado na preparação do couro e que é parte da composição do asfalto, por isso a impressão. É um pouco cheiro de queimado mas também oleoso como motores engraxados, caminhão recém estacionado. Isso se combina com um aspecto aromático do fougère, herbal (verde escuro e amargo) com um toque de lavanda, que dá um ângulo seco e amargo à composição. Também se percebe algo de cravo (a flor) arredondando os cantos — embora seja flor é uma flor contida, mais sombria. Até aqui a impressão é um sensacional pé na porta, surpreendente e brutal. Truques da memória: o cheiro do cravo com o alcatrão me lembra massa de Bubaloo, quando a gente passa o dia com o chiclete e mastiga até tirar o sabor, até ficar só o derivado de petróleo. O couro vai aparecendo lentamente, seco e amargo, e conforme passa o tempo o alcatrão retrai o e couro fica cada vez mais macio, arredondando com o âmbar. É uma viagem e tanto. Excelente projeção e fixação, minha pele é um desastre para fixar perfumes então aqui o assunto é sério. Knize Ten te faz companhia o dia inteiro.

Loos no interior da loja em Paris.

Loos no interior da loja em Paris.

Knize é uma marca de alfaiataria vienense fundada no século XIX que em 1885 se torna fornecedora da realeza austríaca. As lojas de Viena, Paris e Berlim foram desenhadas pelo arquiteto Adolf Loos, hoje só resta a matriz na Áustria. Para ter uma idéia do estilo: em 1913 Loos publica o ensaio Ornamento e Crime criticando o movimento Art Nouveau, então no seu auge. Em 1927 a casa lança sua linha de produtos de beleza para o homem elegante, do qual Knize Ten faz parte. Há a possibilidade que Loos tenha desenhado o frasco do perfume, de moderna simplicidade, com linhas retas e cantos bizotados — observando datas e estilo, é muito provável. O bilioso escritor Thomas Bernhardt usou a loja como cenário em vários dos seus livros. Ao que parece Marlene Dietrich mandava fazer lá seus trajes masculinos, e comenta-se que era usuária do perfume, informação que merecia uma investigação arqueológica tamanha a quantidade de marcas que promovem suas fragrâncias como “a favorita de Marlene”. Este é um perfume sensacional que custa pouco, vale procurar numa próxima viagem.

Knize Ten, Knize.

Knize Ten, Knize.
70 dólares, 50 ml.

Em lojas selecionadas e via internet.

knize.at

luckyscent.com