Quem está mudando seu perfume?

Você que já notou que perfumes que você usava já não são mais os mesmos. Um dos motivos são as regras cada vez mais restritivas que o IFRA, órgão regulador formado pela própria indústria, coloca sobre os fabricantes. Os produtores são obrigados a substituir matérias primas por outras tidas como seguras. Esse é o link definitivo para entender as restrições de uso de matérias primas naturais e sintéticas que estão mudando o mercado de perfumaria.

Enquanto alguns motivos são do âmbito da preservação natural — a extração do sândalo na Índia, por exemplo –, outras são ligadas a saúde. Componentes de matérias primas usadas há séculos podem causar irritações de pele numa parcela da população, coisas como fotossensibilização ou dermatite de contato. Perguntas: porque não identificar o componente assim o alérgico pode evitá-lo, como já faz quem não digere glúten? Ou, mais simplesmente ainda: porque não borrifar o perfume na roupa? Uma resposta possível: burocrata não pensa.

cravo

Um componente do óleo de cravo também está entre matérias primas restritas. Foto: Mauricio Alejo

O caso do musgo de carvalho (oakmoss) é emblemático porque é o ingrediente central de dois acordes clássicos da perfumaria, o chypre e o fougère, que correspondem a uma parcela enorme dos perfumes já feitos. Ele é o ingrediente que dá o fundo herbal, amargo e escuro, em perfumes como Mitsouko, Brut, Paco Rabanne, Eau Sauvage, Pour Monsieur, Eau d’Orange Verte.

Cheire extrato de musgo de carvalho e você nunca mais vai esquecer: um cheiro profundo, áspero, escuro, que evoca uma floresta primordial. Por mais de um século este líquido espesso, marrom esverdeado — que tem o nome do líquen denso do qual deriva, Evernia pronastri, que cresce em carvalhos — serviu como ingrediente chave nos perfumes mais populares e lucrativos do mundo. Mas há dois anos [2009] órgãos da indústria começaram a restringir radicalmente o uso de musgo de carvalho, deixando fabricantes de perfume se virando para substituir essa fragrância idiossincrática.

Este artigo é de 2011, eu ainda não tinha visto matéria tão clara e em profundidade sobre o assunto. Está neste link, em inglês.

Foto: Todd Tankersley

  • Pingback: Entrevista (e um curso) com a perfumista Mônica Rossetto | 1 nariz | blog sobre perfumes, resenha de perfume()

  • Tá tudo errado. Tudo errado.
    Fico com o pé atrás com essa história, viu? Pra mim, deve ter mais coisa aí entre o céu e a terra.

    • como assim? no motivo de reformular? explica aí, ó misteriosa Vanessíssima

  • Dênis, que orgulho este post!
    Bastante esclarecedor e gostoso de ler.

    Partilho da mesma opinião da Vanessíssima.
    Há motivos ocultos por trás dessas desculpas que as grifes dão.
    Quem fabrica perfume tem que dar a cara pra bater.
    Eu creio que todos os fabricantes tem poder aquisitivo para conseguir sintéticos que sejam idênticos às essências naturais.
    Um caso mais do que curioso é o da Chanel: não pode conservar o musgo de carvalho (ainda que sintético) no Chanel nº5, mas investem pesado na essência de íris absoluto no Chanel nº19 Poudré… Contraditório, não?

    De qualquer forma, reformulações me chateiam… Hahaha.

    • Acho que não existem sintéticos idênticos a certos naturais, ninguém sabe como produzir precisamente uma molécula parecida com uma coisa tão complexa como o natural. A coisa é menos “científica” e rápida do que parece.

      (Tem um livro inteiro sobre o Luca Turin dedicado a isso, a teoria dele de como o olfato funciona tá diretamente ligada a produção de sintéticos. e tem em português!)

      Não é que a Chanel não conserva porque não quer, mas pq está submetida as regras da IFRA. De qualquer forma desconfio que os fabricantes aproveitam a reformulação imposta para aparar umas pontas, baratear a fórmula, adaptar ao gosto do mercado.

      • Também não duvido disso.
        Infelizmente isso só prejudica quem usa e quem aprecia.
        Uma pena.

        • ao que parece há uma esperança. segundo o texto a Guerlain achou uma extração do musgo que não tem a molécula que causa problemas.

  • Pois é, burocrata não pensa. Só executa. E nós só temos a perder…

    • e vamos achatando o mundo enquanto fazemos ele à prova de idiotas.

  • Concordo com sua opinião sobre as reformulações, Dênis, e além do fato de que o musgo é um dos maiores alérgenos da perfumaria (acreditem, Eu amo musgo e sofro reações), ele também não é mais facilmente encontrado, já que tem crescimento lento e precisa de ar puro… Enfim, hoje temos uma restrição enorme nas quantidades de musgo que se pode ter em uma fragrância, mas também se sabe que se pode substituir com sintéticos mais ou menos parecidos, basta querer… De fato, o que acontece é que os chypre clássicos já tinham saído de moda antes das proibições, e agora lá se vão os maravilhosos fougère…

    • olha só, nunca tinha conhecido ninguém que tinha os problemas de fato. mesmo assim o ponto de partida me parece errado. será que o alérgico não pode se orientar e evitar o que causa? não proibiram brinco em metal barato pq tem muita gente que é alérgica…

      • Comentei isso lá no Perfume na Pele também, acho que a pessoa pode escolher usar o perfume com musgo(não é o caso do cigarro? basta avisar na embalagem do perfume que você vai MORRER se pingar uma gota de fougère dos bons na sua pele ), se quiser. Quanto a mim, morro de alergia e continuo amando musgo (tem dias que está pior, daí evito, claro)!
        P.S. sou alérgica a brinco barato também,mas neste caso não faz falta, fico sem brinco então, por isso acho bem pertinente sua opnião. Orelhinha com mania de rica, hahaaha.

  • Carol lucas

    será que é por isso que o miss dior sofreu tantas reformulações? não entendo as reformulações, no meu caso sempre acho que reformulam para pior, sempre barateando custos, ficando mais fracos….

    • Carol, todos os perfumes Dior foram reformulados recentemente, o Miss Dior inclusive. Do lado do consumidor é sempre desconfortável — já está apegado ao perfume e tem que lidar com a frustração. Uma pena.

  • Luiz Carlos Damião Filho

    Olá Sr. Denis, sou biólogo (quase formado) e estou desenvolvendo minha monografia encima de métodos alternativos para obtenção de extratos animais de forma segura onde os mesmos não sejam sacrificados, gostei muito da sua página, principalmente por ser apaixonado por perfumes e pelas citações do seu blog que foram muito esclarecedoras. Poderia me sugerir materiais de apoio para me aprofundar mais? Não precisa ser totalmente voltado na parte animal, pois além do mais, farei um contexto histórico até chegar na parte de extratos animálicos. Muito obrigado

    • Luiz, que legal seu projeto. O tema me interessa muito, se vc puder me enviar sua pesquisa quando ficar pronta, fico agradecido. Alguns livros que podem te ajudar:

      Scent and Subversion, Barbara Herman, além do assunto em si, tem uma boa bibliografia para vc seguir pesquisando.
      Floating Gold, sobre o ambergris (esse não li)
      Perfume: The Alchemy of Scent, Jean-Claude Ellena, mais técnico sobre perfumaria
      The Perfect Scent, Chandler Burr, é uma história mas pode ter pequenos pontos interessantes pra vc

      Acredito que vc deve procurar a Osmothéque (http://www.osmotheque.fr/osmotheque), eles são bem amáveis e a melhor referência para pesquisa de métodos tradicionais. Boa sorte!

  • Cláudio ayoub

    Olá. Eu admirava o Azzaro Pour Homme na década de 90. Porém, após a reformulação, perdeu o mistério e parece artificial. Você acha possível acrescentar essência de oakmoss nele?

    • Cláudio, não acho possível, a manipulação é complicada e onde conseguir a matéria prima. Eu tentaria encontrar algum outro perfume — não que seja igual mas que te leve para lugares parecidos.

  • Tialle

    Gente, tá explicada a minha decepção total com os perfumes atuais . Morro de saudades dos perfumes das dec de 90 e 2000.
    Amoooo Musgo!…cedro, sandalo, notas verdes , flores noturnas (tipo madressilva)… tudo que remeta a autentica natureza .
    Mas de uns tempos pra cá os cheiros que eu sentia na infancia e adolescencia sumiram!
    Só encontro perfumes femininos melosos, frutais , achocolatados, um terror!
    Os perfumes masculinos me agradam em parte, porem como a maioria é forte e as notas florais quase imperceptíveis, não compro.
    Alguem tem boas sugestões de perfumes femininos que reunam as notas que citei a cima?
    Muito obrigada!
    Denis, parabens pelo post!
    Tialle