Com sorte o leitor ficou animado com a conversa, anotou alguns perfumes no caderno e resolveu sair para experimentar. Por mais que o autor crie personagens e invente metáforas absurdas para tentar evocar o que está dentro do vidro, nada substitui a experiência direta, que é a razão disso tudo. Para quem nunca sabe o que fazer com as mãos onde estiver, as minhas sugestões quando o lugar for a perfumaria.
Antes de ir
- Anote os perfumes que quer conhecer, leve uma caneta para marcar o nome na fita olfativa – o famoso papelzinho – e um caderno ou livro para colocar as fitas quando sair da loja. Talvez você queira levar uma garrafinha d’água, explico mais adiante.
Na loja sem vendedor (Freeshop, Sephora, The Beauty Box)
- Ache o primeiro, anote o nome na fita, espirre o perfume. Uma ou duas espirradas basta – eu sempre erro a primeira, ainda mais se for dos frascos complicados. Espere ou agite a fita para o álcool evaporar, ele machuca o seu nariz.
- Com muito tempo de exposição a um agente a mucosa do nariz satura e não se sente mais nada. E a loja tem cheiro de tudo o que foi espirrado durante o dia. (Porque não previram um sistema de exaustão?) Não encostar a fita no nariz ajuda a evitar excesso de estímulo, deixe uns dois centímetros de distância.
- Truque dos especialistas da indústria que passam o dia fazendo isso: ao invés de uma inspirada profunda, prefira duas curtas. É estranho no começo mas funciona. Seu nariz vai durar mais nas sessões.
- Mesmo assim o olfato saturou. Evite o copinho com grãos de café. É uma referência conhecida, um zero, mas é um cheiro. Duas soluções: um gole d’água (por isso a garrafinha) ou inspirar longa e profundamente através da blusa ou camiseta. Filtra o ar de moléculas odorantes e libera a mucosa do nariz.
- Um número bom de perfumes por sessão é em torno de cinco, para não atrapalhar o nariz nem o cérebro. Com o tempo a capacidade aumenta, preste atenção e aproveite.
- Eu gosto de dar uma olhada geral, tem sempre um que esqueci de anotar e lembro vendo a embalagem. E arriscar um que não estava anotado, para dar uma chance ao acaso.
- Guarde as fitas olfativas no livro ou no caderno, com algumas páginas de distância uma das outras. Vá acompanhando de tempos em tempos, com a confusão de cheiros da loja muda muito a impressão quando a gente sai dela.
- Não espirre direto na pele sem conhecer o perfume. Segundo a lei de Murphy esse você vai odiar e ele terá excelente fixação.
Testando
- Escolha o favorito e teste na pele. Só um? Acho que até quatro dá, nos punhos e no alto dos antebraços, uma espirrada precisa em cada lugar. Depende da sua capacidade de sair cheirando a quatro perfumes de uma vez e do que vai fazer em seguida. Não torture as pessoas no restaurante, no cinema, no trabalho. Aliás, nem quando for usar o perfume que comprou.
- Nunca deixe de testar na pele. Papel não tem temperatura, que é o que acelera a evolução do perfume em notas de saída, coração e fundo. Teste CK One num papel e veja como é estranho. As vezes a gente gosta das notas de saída, que se mantém no papel por mais tempo, e o resto do perfume é banal.
- Acima de tudo, esse teste é para ver se você gosta desse cheiro em você. Observe se continua legal, se melhora, se piora com o tempo. Se a fixação é boa, se tem o tamanho que te deixa confortável. Teste de novo até ficar seguro para comprar. E lembre de guardar na caixa!
Pela internet
- Roupa e perfume não recomendo comprar sem experimentar. E se tem aquele patchuli que você odeia? Ou o cheiro de anis que te embrulha o estômago? Depois revende ou presenteia? Mas esse sou eu.
- Se for perfume conhecido, sem problemas. Eu manteria nas lojas grandes (Renner, Americanas, Sephora, The Beauty Box), e não na mais barata, com medo de falsificação.
Na loja com vendedor
- Houve uma época em que o vendedor era o especialista: o farmacêutico era o vendedor da farmácia, o perfumista era o vendedor da perfumaria. Que traduzia um pedido mal formulado pelo cliente, ajudava a descobrir o que você queria de verdade – ou melhor ainda, o que ficava bem para você – te sugeria outros parecidos, te dava uma aula se você quisesse. E nem queria vender. Mas isso faz muito tempo.
- O que não vai dificultar a sua vida se você quiser experimentar os cinco da sua lista. Mas para uma sugestão, para conhecer outros perfumes, a coisa complica. Se você encontrar esse vendedor aí de cima, só compre com ele, prestigie, seja fiel como nunca foi, indique para os amigos e para mim. Ele vai retribuir.
- Talvez ele queira vender o último lançamento. As vezes ele não entende mais que você. Frequentemente os adjetivos para descrever um perfume, qualquer um, triangulam entre banho tomado, amadeirado e marcante. Pode ser que ele entenda alguma coisa errada: – Estou vendo que você gosta de Hermès, prove este Fendi que também é super exclusivo. Convoque o jogo de cintura e confie no seu nariz.
- Num mercado que tem mais de mil lançamentos por ano a criatividade fica restrita. Você pode puxar assunto perguntando de algum perfume que não parece com os outros. De resto tudo normal, testar na pele é praxe, não comprar também.
Uma tática de guerrilha para viagens
- Se você domina a língua local é mais fácil e talvez não precise de nada. Essa nasceu espontaneamente. Consiste em ir em dupla, um vai se dirigir ao vendedor, fazer perguntas, se interessar, enquanto o outro está completamente livre para cheirar o que quiser.
Amostras
- Eu peço. Nunca consegui as que queria. Nem as que não queria. Parece que ficou combinado que amostra é para quem compra. Em viagem é mais fácil. Mas seguimos tentando.
- Você comprou e vai ganhar algumas. Melhor ter em mente uns nomes que quer conhecer para não levar o último da Shakira só porque ele está em cima na gaveta.
Foto: Andrea Gursky, 99 cents
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