O natural é melhor que o sintético?

Nesta entrevista Mathilde Laurent comenta sobre a sensação de que matérias primas naturais são superiores as sintéticas. E, de birra, criou um perfume totalmente sintético para a coleção mais luxuosa da Cartier, lembrando que a memória que todos temos de baunilha em doces e bolos, é de baunilha sintética. O tópico é polêmico, rendeu discussão com o comentário do Daniel Arata, valorizando o natural pela beleza olfativa. Acho que vale a pena explorar um pouco mais.

Qualidade da matéria prima não garante um bom perfume — entregue elas para mim e te mostro como estragar tudo. Matéria prima natural pode ajudar e pode não ajudar, depende do projeto. É a habilidade do perfumista em dar sentido, em costurar as coisas que faz a diferença. Jean-Claude Ellena disse parecido quando falou que pode criar um perfume que cheira a caro mas tem custo baixo. É a mão do homem que dá o valor. Na primeira edição do curso Famílias olfativas entramos no assunto ao conhecer a matéria prima sintética ionona alfa, que faz referência ao odor de uma espécie de violeta. A informação que tenho é que a extração do natural é tão custosa que ele nunca é usado. Uma amiga que participava da aula ficou surpresa: quer dizer que o a Violette de Annick Goutal não tem a matéria prima natural? No fundo não importa, porque a comparação não tem sentido. Explico.

A natureza está bem representada pela natureza. Se o homem tenta imitá-la vai conseguir no máximo uma natureza de segunda mão — que pode ser muito bonita, um resultado a ser aplaudido (de verdade!), mas é de segunda. “Florais realísticos, embora sejam grandes feitos, deveriam ser julgados por uma equipe de abelhas, não de humanos,” diz a Tania Sanchez. Do mesmo jeito que a fotografia liberou a pintura para se ocupar das suas coisas e parar de fotografar o mundo, a matéria prima sintética liberou a perfumaria para alçar seu próprio vôo — interpretar, partir daí, não imitar. Perfumaria moderna é coisa do homem, como as cidades, a arte, não tem sentido comparar com o mundo natural, que, de saída, já ganhou —  somos produto dele.

Imagem: Sunrise, Roy Lichtenstein.

 

  • Daniel Arata

    Bacana o post. Fico feliz de que minha reflexão sobre esse assunto tenha despertado outra reflexão (principalmente para mim).
    Compreendo a evolução da perfumaria e acho bárbaro expor esses conceitos de forma clara. “Ei, o perfume é caro, a matéria prima é sintética, mas é de qualidade, OK?” Rs.
    Talvez eu tenha feito uma associação à bebida gourmet ou moda, por exemplo. Associei ao primor de “degustar” de algo feito quase como por exclusividade: Contém matéria prima natural.
    Mas como você bem disse: Caro. Se não souber usar então… Uma bomba! Rs.
    Mais uma vez, excelente! Obrigado pelo post.

    • Entendo totalmente, Daniel, gosto de discutir esses avessos da história tbm! Tem bastante valorização do natural pela própria indústria, como um diferencial. E esse raciocínio é contra intuitivo em relação o momento que o mundo vive, de procurar alimentos com menos interferência humana, por exemplo. Obrigado pela inspiração.

  • HB

    Excelente post!
    As pessoas gostam de perfume porque é sintético, ninguém quer sair por ai cheirando como uma planta na verdade.

    • HB, é verdade! Se pegar as flores, todas tem um lado mais monstruoso, menos “de propaganda”, que se for retratado em perfume, esse não vai ser pra todo mundo. Cada cheiro no seu lugar.

  • lili

    Sempre me lembro de um professor de Artes,que tive no colégio, que dizia “a arte é a interpretação da natureza”; Imagino que, na perfumaria,o mesmo aconteça

    • É isso, Lili, acho que a gente ganha mais procurando um ponto de vista, um olhar sobre a natureza e a nossa vida dentro dela, que tentando reproduzi-la.

  • Priscila

    São tantos os aspectos que clamam pelo sintético: ambiental, comercial, e por aí vai. As restrições a boa parte de componentes naturais de origem animal ou vegetal em situação de risco, a minimização de alergias, o maior controle de durabilidade e até mesmo a possibilidade de adição de corantes contam nesse ponto. São consequências de uma modernização e adaptação da indústria – e não sinal de piora, exclusivamente.
    Beijocas, Dênis!!!

    • Priscila, é por aí! Perfumes naturais, sem sintéticos, são muito instáveis, se alteram rapidamente na pele, de forma que o produto nem sempre é desejável. E tem mais propensão a causar alergia, ao contrário do a gente tende a imaginar.

      Beijos!

  • Elisabete Rocha Pagani

    Que bela reflexão!, e total harmonía entre assunto e imagem. Muito bom seu texto 1Nariz 1Escritor.

    • Demais o Roy, né? Tão legal pensar nos infinitos pontos de vista que são possíveis com essa humanidade tão variada de experiências, de vontades — quantas imagens (visuais ou não) o sol nascendo já inspirou?

  • feferesende

    que coisa mais linda esse final de texto! como você é rico de referências! (ai como eu amo esse site como te amo 1nariz!) <3

    • haha minha fã número 02! (mãe domina o 01, né?) to super inspirado pelos nossos papos, pela leitura do Roman Kznaric, já já aparecem os resultados.

  • Rafael Oxn

    Aplaudindo em pé esse post!
    Congrats !