Como alguém que quer ser da polícia científica “como no seriado CSI” se torna perfumista e recria o cheiro do Pólo Norte? O jeito quase por acaso que Pierre Guéros, perfumista da Symrise, entra para a perfumaria faz contraste com a dificuldade que ele aponta para quem é novato: “Existem mais astronautas formados pela NASA do que perfumistas. É complicado e não podemos falar que não.”
Nessa entrevista inspiradora para quem quer se tornar perfumista profissional ou amador, ele conta porque acha que o princípio de “um bom perfumista” não quer dizer muita coisa e quais as qualidades que um perfumista deve ter: “é preciso amar comer, beber, viajar, fazer sexo e tudo mais.”
Não fazia ideia que a profissão de perfumista existia.
Eu queria fazer outras coisas: trabalhar na polícia, em moda com meu pai, ser arqueólogo. Mas queria mesmo trabalhar na polícia científica, como no seriado CSI.
Quando estava na universidade estudando Química e Bioquímica, com 22 anos, a escola de perfumaria ISIPCA fez um dia de portas abertas, e fui com várias amigas que queriam ser perfumistas. Teve uma prova, nenhuma amiga passou. Eu fui super bem e passei.
Fui o primeiro a conseguir estágio na minha turma. Ali eu entendi que tinha algo especial em mim.
Com o curso eu desenvolvi meu lado científico. Meu lado artístico eu já desenvolvia com outras atividades. Eu sempre quis combinar os dois. Com a perfumaria eu consegui.
Quando entrei em contato com uma casa de fragrância, para mim elas tinham todas o mesmo tamanho e importância. Então eu mandei a mesma carta de apresentação para todas. Precisava do estágio porque a ISIPCA requer esta experiência e a orientaçāo de um mestre-perfumista que vai te ensinar o trabalho, a profissão.
Comecei numa empresa francesa que não existe mais, que fazia bases e fragrâncias para todas as casas como Chanel, Guerlain (etc).
Depois virei perfumista na casa de fragrâncias DROM. Fui avaliador por 6 meses e me prometeram uma vaga como perfumista. Eu tinha só 26 anos, tive uma mentora e fiquei lá por 12 anos.
Quando você diz que é perfumista imediatamente recebe a atenção das pessoas e ouve mil perguntas.
Quando não estou a fim digo que sou químico e assim não existe a segunda pergunta. Quando quero conversar digo que meu trabalho não é 100% artístico — é um trabalho de criação mas fazemos um produto que faz parte do cotidiano das pessoas.
Acredito que somos mais artesãos, que temos que fazer um produto que seja harmonioso, que traga alegria e beleza, mas que não deixa de ser um produto.
É mais fácil virar jogador de futebol profissional do que virar um perfumista. Existem mais astronautas formados pela NASA do que perfumistas.
É complicado e não podemos falar para as pessoas que não. Mas os perfumistas têm perfis diferentes. Com formações diferentes: filhos de perfumistas, outros que viraram sem querer, outros que sonham ser desde os 12 anos. Não existe um perfil padrão.
Como todo trabalho que é extremamente difícil, é preciso ter paciência, paixão, referências e muita vontade. E um pouquinho de sorte!
Gosto de perfumes que tem história. Não precisa ser o mais vendido.
Criei um perfume com cheiro do polo norte para uma marca austríaca. Fizeram uma expedição polar com pessoas de diferentes países e levaram o meu perfume. E no local onde tem a bandeira no Polo, tiraram uma foto e sentiram meu perfume para comparar o cheiro verdadeiro do Polo Norte. Este tipo de experiência é genial.
E também tem outro que fiz para marca de relógios NOOKA. O avô do dono tinha o costume de ir ao parque, ler o jornal num banco e depois deixar o jornal lá, até que alguém o pegasse, com a ideia de compartilhar com outras pessoas. Ele queria encontrar o cheiro deste momento. Isso é poético!
Ninguém é perfumista sozinho. Acho muito complicado.
Você precisa de uma equipe global: uma boa avaliadora, além do marketing, tecnologias, ter contato com produtores de matérias-primas naturais, com químicos que propõem as moléculas do futuro. E isso é bem complicado se você não faz parte de uma grande empresa.
É possível ser um perfumista autodidata sim, mas é necessário acumular muitas experiências e conhecer pessoas/contatos. Ser perfumista é fazer, errar uma vez, errar de novo. Aprender com os erros e não repeti-los. É possível fazer isso sozinho. Mas para lançar um perfume no mercado acredito que é preciso estar numa casa de fragrância com uma boa estrutura.
Acho que o princípio de “um bom perfumista” não diz muita coisa.
Há perfumistas que admiramos que criam perfumes que vendem muito. E perfumistas que criam perfumes inéditos, com cheiros jamais sentidos antes. E perfumistas que também admiramos que criam belos perfumes para marcas do cotidiano, às vezes até banais, como o cheirinho que você coloca no seu carro.
Um perfumista por essência é aquele que não tem medo de colocar seu trabalho na mesa. Não podemos achar que sabemos tudo, não podemos confiar tanto em nós. Desenvolver um perfume é fazer e refazer muito.
Ser perfeccionista é uma das características, é o lado científico do perfumista, de sempre querer melhorar. E a segunda é ter curiosidade pela vida. Para ser bom perfumista tem que amar comer, beber, viajar, fazer sexo e tudo mais.
Antes era tudo feito nos Estados Unidos e na França. Hoje Dubai, São Paulo e Shangai são tão importantes quanto Paris e NY.
Isso nos permite trabalhar em projetos para países que nem sempre conhecemos, com culturas diferentes. E nos obriga a fazer um trabalho intelectual e cultural para tentar se colocar na pele destes consumidores. Isso é genial na perfumaria moderna. Esta possibilidade de perfumar o mundo!