O saguão da Casa do Saber era todo Jour d’Hermès, Un Jardin en Méditerranée e outras delícias. Na terça dia 26, Jean-Claude Ellena, perfumista exclusivo da Hermès estava na cidade para divulgar o lançamento da tradução do seu “Diário de um Perfumista”. E também para promover suas últimas idéias odorantes — o início de qualquer perfume, segundo Ellena — que vieram a público este ano: Épice Marine para a linha Hermessence, que chega ao Brasil no dia primeiro de dezembro, e Jour d’Hermès.
Ellena pareceu surpreso com a quantidade de gente no auditório, muitas pessoas de pé, e a certo ponto convidou todos para conhecer seu escritório em Cabris, no sul da França, com vista 180° do mar: “um de cada vez!” É entre o mar da Bretanha e o do Sul que nasce Épice Marine, e mais uma vez o rádio mostra sua inesperada contribuição para a perfumaria contemporânea. Assim como aconteceu no encontro de Denyse Beaulieu e o perfumista Bertrand Duchaufour, que resulta no perfume Séville a L’Aube (L’Artisan Parfumeur), foi num programa de rádio que Ellena conheceu o chef bretão Olivier Roellinger e a paixão deste por especiarias.
Roellinger viaja pelo mundo colecionando especiarias e tem um entreposto com seu nome em algumas cidades. Ellena se encanta pelo aroma do cominho torrado e encontra a idéia odorante que funda o perfume. Não é a primeira vez que ele volta sobre um tema que já trabalhou: o cominho que aparece em Cartier Déclaration, assim como a manga/grapefruit de Un Jardin sur le Nil, Cologne Bigarade e Jour d’Hermès, o cardamomo de Déclaration e Voyage.
Feitos os primeiros esboços incluindo uma extração do cominho torrado e idéia do mar, Ellena apresenta o material ao chef. “Está muito bom. Mas falta a bruma”, ele diz. Sem se intimidar o perfumista pergunta que cheiro ela tem. “Cheiro de amido, de farinha, e tem cheiro de Bruichladdich, um whisky escocês”. Ellena compra uma garrafa do whisky e aplica sobre o braço, como um perfume, dizendo que não se deve ter medo na hora de criar.
Falou sobre o curto período como aprendiz na Givaudan, em 1969. Na casa de fragrância foi dispensado aos nove meses da formação interna de alguns anos, quando, cheio de tédio, pediu ao perfumista que lhe passasse alguma coisa mais interessante. A tarefa era copiar perfumes como exercício, e no fim do segundo estava resolvido: “Você não tem mais nada para aprender na escola, venha ser meu assistente.” “Eu nunca me achei talentoso. Aquilo era muito fácil para mim, se fosse difícil e eu conseguisse resolver, aí sim tinha talento”, conta Ellena. Comentou sobre a imensa liberdade que tem para criar na Hermès, valiosa num mercado que exige o menor custo sobre a maior venda, e é cheio de mecanismos para achatar a criatividade. E é consciente da sua arte: “Preço é algo diferente, não é o custo do objeto, preço é emocional. Posso criar um perfume que cheira a caro mas não custa nada.”
Mas, estimulado por uma pergunta da platéia, brilhou fazendo um panorama da sensualidade na perfumaria, ligando o mercado francês e americano aos códigos católicos e protestantes. O assunto é tão fundamental que volto em outro post para conseguir entrar em detalhes. “Diário de um Perfumista” é adição importante num universo minúsculo de referências em português. Conversei com a editora responsável pela obra junto à Record, ela disse que a perfumaria não é um campo que a casa pretende investir particularmente.
Ao fim Jean-Claude Ellena se instalou numa mesa, entre sorridente e um pouco constrangido por comer enquanto autografava, sem saber o que fazer com as mãos engorduradas. “O senhor não jantou?”, perguntei. “Não! Mas tudo bem.” Na manhã seguinte voava para o Rio.
Para uma impressão mais detalhada leia o relato da Diana neste link.
PS: Para o site foi especial, muitos leitores se apresentaram, foi bom ver essa coisa digital tomar espaço físico. Fica aqui o meu agradecimento a todos que acompanham, que conheci ou não. O post no Facebook deve ter garantido umas boas reservas na platéia.