Em algum lugar do mês passado fui convidado pela gravidíssima Helô Lupinacci do Paladar, caderno de comida e bebida do Estadão, a participar de uma degustação de gins. Treze gins. Alguns de grande produção, encontrados no mercado nacional, outros de destilarias quase de garagem trazidos de Londres, na mala de um etílico Antonio Farinacci. Pouco a pouco ele foi revelando seus talentos: roteirista, cantor, barman, bebedor. Edgard Costa, do Astor, foi quem hospedou a farra. Participei mais com o nariz que com a boca (até a página dois) e encontrei alguns paralelos com a perfumaria.
Gin é um destilado cujo principal sabor é de zimbro, que é a semente de um cipreste. Entram várias outros temperos como ervas, sementes, casca de cítricos, alguma flor, cada marca com sua mistura secreta, uma espécie de assinatura olfativa. Essa profusão de sabores fez com que fosse minha bebida de preferência nos tempos em que bebia mais e tinha dinheiro de menos: gin, gelo e só, tem sabor e custa pouco. Dinheiro ainda não tenho o quanto baste mas já bebo melhor, obrigado. Para entrar em mais detalhes sobre fabricação, estilos de gin e o mais importante, os drinks, muitos drinks de gin, recomendo a matéria do Paladar, que está online no site.
As marcas tradicionais como Gordons e Tanqueray destacam o aroma do zimbro, que não esconde suas origens: tem um aspecto pinho, pinicante e pontudo. Quando isso se combina com o lado amargo, medicinal, que as ervas trazem mais o aroma da casca de cítricos, a associação com perfumaria é evidente, e não fui eu o primeiro a avisar — “Tem cheiro de perfume masculino”, disse a Helô. Ela está falando dos fougère, acorde fantasia criado para sugerir a vegetação rasteira da floresta. A principal característica é esse herbal amargo, áspero, que é o denominador comum entre os clássicos Cool Water e Azzaro, por exemplo.
O gin Beefeater, outro da velha guarda, tinha aroma bem marcado de casca de laranja e um traço metálico, aquela ponta de brilho que estoura na foto. Em perfumaria o responsável por isso é um tipo de aldeído, usado como fundo branco que traz brilho para perfumes florais, por exemplo. Me olharam esquisito e seguimos. O Sipsmith, de Londres, foi o mais macio na boca, com pouco zimbro, pouco cítrico e um tanto de cardamomo. Antonio visitou a destilaria e contou que usam alambiques de cobre, que suaviza o lado agressivo do álcool e dá um sabor mais arredondado.
Aqui me lembrei de um comentário de Jean-Claude Ellena, perfumista da Hermès, no livro Le Parfum. Conta que
Como estudante, aprendi a distinguir não somente entre o odor de um concreto [resultante da destilação] de jasmin do Egito, Itália ou Grasse, na França, mas identificar que tipo de evaporador foi usado para produzi-lo. […] Com o tempo aprendi a fragrância arredondada obtida no cobre, a fragrância elegante produzida no estanho, a fragrância metálica produzida no aço inoxidável, e a fragrância neutra produzida no vidro.
Num outro momento, estudando, vi que a questão dos aldeídos fazia sentido, porque são sintetizados a partir da casca dos cítricos, ou seja, todo mundo em casa. Talvez o Beefeater fosse também destilado em aço inoxidável?
Entre os de produção menor aparecem mais cores, como incenso no Sacred Gin, precisamente o mesmo de perfumaria (que falei aqui) — e que ninguém conseguiu notar –, cardamomo e camomila, para uma dupla impressão chá no gin Brooklyn, lavanda no Monkey. Mas quem surpreendeu foi o Gin Mare. É o mediterrâneo numa garrafa, faz uma grande mistura funcionar no nariz e na boca. Combina azeitona, tomilho, alecrim, tem o sabor um pouco salgado, que lembra marisco. Pode não fazer sentido lógico mas tudo se sente em separado, cada gole um sabor — não vira o pastiche que parece. Talvez funcione para um e apenas um dry martini, ou como aperitivo, mas muito gostoso. Para quem gosta de bloody mary, dirty martini (com um pouco da conserva da azeitona) ou até um suco de tomate bem temperado no meio da tarde, para dar uma levantada no ânimo que se arrasta por conta do calor, funciona muito bem.