No início do ano almocei no Noma, em Copenhague, o ex-melhor-restaurante-do-mundo-por-três-anos-consecutivos-segundo-uma-revista-britânica-que-ninguém-tinha-ouvido-falar-até-criar-o-prêmio. A proposta é um menu degustação quase que só de peixes e vegetais — foi a sorte, passamos uma jornada de três horas comendo. A comida toda de comer, sem invencionice que tenha função diferente de divertir os dentes e a língua. O restaurante ficou famoso pela pesquisa de ingredientes e promoção do ingrediente local: musgos, frutas silvestres, raízes, tudo o que se acha no mato dinamarquês.
Quem faz a pesquisa propriamente dita é o Nordic Food Lab, uma unidade autônoma instalada num barquinho balançante bem em frente ao Noma. O capitão é o irlandês Ben Reade, que organiza a coleta de grilos, as sementes fermentando, a produção de vinagres estranhos e toda a sorte de esquisitices que sai dali para a mesa do Noma.
Para uns protótipos de presunto Ben pesquisou processos de mumificação — eu, que não tinha ligado múmia e presunto, achei muito sagaz. E mostrou uma perna de cervo coberta de cera de abelha, outra que tinha sido temperada com resina vegetal, com um gostoso cheiro de pinheiro. Durante a pesquisa descobriu que na Inglaterra vitoriana era extremamente chic o consumo — não de presunto cru — mas de múmias. Finamente fatiadas sobre a comida, como trufas, ou polvilhadas na finalização de um drink. Horas antes eu tinha comido um camarão vivo e bem animado, que matei com uma dentada certeira do molar, mas, obrigado, gosto que meu presunto cru seja de quadrúpedes.
Para falar a verdade, desde que entrei no barco com a barriga inchada e sem condição física de ingerir mais comida, fiquei de olho numa sobremesa de creme com frutas vermelhas que os funcionários comiam com gosto. Enfim a parte que nos cabe: no rol de experimentos entram macerações de plantas. Ben disse que leva jarros de álcool em suas saídas, do mato vai tudo para os sprays. Um era das folhas de junípero ou zimbro, uma espécie de pinheiro cujas sementes se usam como tempero em comida, na fabricação de gin e na perfumaria.
E ainda duas cervejas com o famigerado musgo de carvalho (oakmoss). É ingrediente fundamental na criação do acorde chypre clássico, como em Mitsouko (Guerlain) e Pour Monsieur (Chanel). Hoje é uma matéria prima de uso altamente restrito. Eu, que não saberia reconhecer um musgo de carvalho se visse um, perguntei: e onde na árvore ele dá? “Ah! Se você tem acesso ao lado esquerdo da árvore, ele dá do lado direito, e vice versa”. Ben busca duas garrafinhas na barriga do barco, uma com mais musgo, outra com menos. Na minha boca tinham gosto de… cerveja. Nosso amigo informa que dá um sabor macio, talcado, que não se sentia no primeiro gole mas acumulava a ponto de ficar insuportável. O grupo de pesquisadores se aproxima e aproveita para provar.
Num certo ponto perguntei se ele nunca tinha ficado doente provando tanta experiência. “A única vez que tive intoxicação alimentar foi comendo um kebab”. A frase que não me saia da cabeça veio horas antes, de René Redzepi, o chef do restaurante, contando que o objetivo da pesquisa era a busca da deliciosidade — em inglês o som explica o sentido: deliciousness