O que é sexy num perfume pelo perfumista Jean-Claude Ellena

Para além de ouvir as histórias da criação da boca de quem passou por elas, Jean-Claude Ellena ofereceu na sua passagem por São Paulo uma breve aula sobre a sensualidade em perfumaria. Fez comparações entre a tradição francesa e a norte-americana — e a mudança que isso implica no mercado de perfumaria, quando os grande fabricantes franceses decidem investir no Novo Mundo. Essa a segunda parte a respeito da palestra de Ellena em São Paulo, a primeira está neste link.

Na imagem: cena de Último Tango em Paris

Até os anos 1970 a perfumaria produzia num registro que Ellena chama de perfumaria clássica, nascida no século XIX com as moléculas sintéticas que, estendendo a paleta do perfumista para além dos extratos naturais, permitiu criações que voassem mais alto, buscando a beleza sem tentar engarrafar a natureza. É um momento de virtuosismo do perfumista, que cria por acúmulo, buscando a complexidade com fórmulas longas. O melhor exemplo é do próprio Ellena: em entrevistas anteriores fez graça de sua própria criação, o floral aldeídico Van Cleef & Arpels First (1976), emblemático do estilo clássico.

A partir dos anos 70 as grandes marcas resolvem investir no mercado norte-americano: Guerlain, Rochas e Dior, entre outras, tinham lá um mercado fraco e miram suas armas de marketing — palavra que foi pichada naquela noite. A exceção é Chanel, que sempre fez sucesso nos Estados Unidos. É hora de adaptar os códigos ao desejo americano. Aqui Ellena brilha comparando a tradição católica francesa com a protestante americana.

 

Enquanto na casa francesa o casal dorme numa cama grande, nos Estados Unidos a opção é por uma cama grande com dois colchões de solteiro lado a lado. “Quando é necessário se produz a criança”, brinca Ellena. E nos pede atenção aos filmes, especialmente aos antigos. No americano a mulher toma um longo banho e então vão para a cama consumar o ato. No francês não tem nem sombra de chuveiro, é direto para a cama e assim está, com todos os seus sabores e olores. E emenda mais um pouco de história.

O sabão em pó domina as massas no mercado americano nos anos 50 — Tide, a marca arrasa quarteirão da P&G, é criada em 1943. Esses produtos são perfumados com moléculas sintéticas, baratas de produzir e altamente resistentes ao ambiente inóspito de um monte de sabão. Elas são obrigatoriamente insolúveis para garantir que o perfume fique na roupa depois de lavada, e a indústria presta atenção especial ao momento em que a máquina de lavar é aberta e libera o cheiro do dever cumprido, o “magic moment” no jargão do marketing.

Tide: o novo sexy

Tide: o novo sexy

São musks sintéticos (ou almíscares, mais aqui). É um cheiro que cada vez mais é associado com limpeza: a roupa está limpa e perfumada, eu me visto com uma roupa limpa depois do banho, meu cheiro de limpo é o cheiro da roupa limpa. Rapidamente esse tipo de musk sai do supermercado (corredor: limpeza) e ganha as prateleiras das perfumarias. Ellena conta que grande parte dos perfumes para o mercado americano tem, de saída, 20 a 30% de musks na fórmula. (Vale uma explicação: os musks são muitos e tem vários perfis olfativos. Os usados em sabão em pó e nesse tipo de perfume que Ellena fala são levemente picantes, de impressão química, muito presentes nos masculinos rotulados Sport.)

Ao fim da palestra a mediadora abriu para perguntas da platéia. Uma das que foram feitas foi se ele pensava os perfumes para os cheiros não tão agradáveis que o corpo emite. Então ele conta que você pode fazer uma rosa bonita, mas se acrescentar civet, ela fica melhor, ganha vida. E civet… “tem cheiro de merda! Ou seja, a merda é útil.” Para uma análise mais extensa do papel dos ingredientes animais em perfumaria — tem cheiro de merda mesmo –, leia este post. Falou também do musgo de carvalho (oakmoss), matéria prima essencial do chypre clássico, que, constrangendo o tradutor, “cheira a púbis feminino.”

 

  • Muito bom, Dênis! Excelente relato de tal momento da ‘aula’ que presenciamos! O texto ficou excelente!

  • Por esse texto ( e o da Diana ) sobre a Palestra com o Jean-Claude Ellena fico a pensar que deveria ter me jogado de Floripa à Sampa naquele dia.

    • Algo me diz que o Brasil está bem cotado no mapa deles e que M. Ellena não tarda a voltar, Dâmaris. Talvez no próximo lançamento de perfume, quem sabe na tradução de algum outro livro…

  • Preciso criar vergonha na cara e catar logo o Diário dele. Tô doida pra ler.

    • É muito bom, Vaness, pena que os outros perfumistas não se animam a escrever histórias para ler ao invés de cheirar.