Este texto foi escrito a convite da Dâmaris para ser publicado no blog que ela escreve, o Village Beauté. Achei que valia republicar aqui mesmo que o leitor antigo já tenha sido apresentado as marcas que falo.
Perfumaria de nicho é um termo que serve para falar de um modelo de negócio diferente da grande indústria da perfumaria, como Issey Miyake, Kenzo, Nina Ricci. Ao focar em uma fatia menor do mercado, num nicho, marcas como L’Artisan Parfumeur, Heeley, Diptyque, Frédéric Malle, entre muitas outras, podem fazer uma proposta mais surpreendente que se quisessem atingir milhões de consumidores. Para agradar todo mundo é preciso nivelar por baixo, quem visita perfumarias com freqüência percebe que os lançamentos são todos meio parecidos.
Para atingir esse grupo menor não é preciso vender em todos os lugares mas nos lugares certos: talvez uma loja própria ou nem isso, algumas lojas de departamento selecionadas, lojas especializadas em perfumes de nicho e pronto. Ou seja, além de possibilidade criativa, estamos falando também de exclusividade: você vai ter um perfume que pouca gente tem, talvez ninguém tenha ouvido falar do Etat Libre d’Orange… Com exclusividade você atiça o desejo, gente como eu e você que fica meio louca atrás de alguém que tem aquele Serge Lutens que só se pode cheirar em UMA loja no mundo. Muitas casas não fazem propaganda, contam mais com o boca a boca e um bom conceito como divulgação. O Olfactive Studio, que falei semana passada, pede ao perfumista que crie a partir de uma foto e do nome que vai ser dado.
Economizando na distribuição e na propaganda vem o pulo do gato — sobra dinheiro para investir na fórmula do perfume, como matérias primas naturais de excelente qualidade e sintéticos de ponta. Isso garante que o resultado final vai ser bom? Não. Se você misturar chocolate belga com o melhor bacalhau da Noruega vai criar um desastre caro. Assim como existe perfume da grande indústria que é uma obra prima (Bulgari Black!), existe perfume de nicho ruim ou igual a todos os outros. Mas comparando com uma indústria que quer a fórmula mais barata com a maior venda possível (que é igual a muita propaganda, maior distribuição, ou seja, custos que vão cortar a fórmula), é uma vantagem.
Além de estreitar a distribuição, outro jeito de focar num mercado menor é aumentar o preço. Então são sempre perfumes mais caros? Não. O Etat Libre d’Orange vende Jasmin et Cigarette, um perfume que cheira como um galho de jasmim florido em cima de um cinzeiro, a 69 euros (R$204 no momento da escrita, e subindo). Mas o céu é o limite, um Jubilation XXV, de Amouage, custa 250 dólares (R$562), ambos num frasco de 50 ml.
Tem gente que faz mil distinções, diz que perfume de marca de roupa não é de nicho. Mas a marca de roupa japonesa Comme des Garçons lança perfumes de distribuição restrita, com conceitos de vanguarda. Um exemplo é Avignon, que tem o cheiro do incenso da missa católica. A linha Les Exclusifs de Chanel também tem distribuição menor mas olha para o passado: parte dela é de perfumes clássicos da marca que foram relançados. No fundo acho besteira essa discussão. Se for ou não for, o que isso acrescenta para a conversa? Gosto de categorias que ajudam a entender melhor o assunto ou quando a diferença entre elas é radical. Não é o caso.
E porque é quase impossível encontrar perfumes de nicho no Brasil? A resposta que coça a língua é “por causa dos impostos” — mas acho mesmo é que alguém está dormindo no ponto. Claro que vai custar muito caro, as taxas de importação são enormes, eu iria na loja só para experimentar e bater papo. Mas se existem compradores para Louis Vuitton — original — a preços de Brasil, e é claro que esse consumidor pode comprar em qualquer lugar do mundo, existem compradores para perfumes de nicho mesmo que fora de preço. Alô, empresários! Abram multimarcas de perfumaria de nicho com excelentes vendedores, treinem eles muito bem, façam a coisa direito. Perfume de nicho, mais que os de grande mercado, tem uma história por trás e nada melhor do que ser muito bem apresentado a ela. Essa loja vai ter que ser num shopping mas paciência. E podem me chamar para fazer a curadoria de marcas.