Se você tem um nariz, conhece um perfume de Olivier Cresp. Suas criações mais famosas são tão influentes no mercado que no mínimo os seus efeitos são conhecidos. Para ficar em apenas dois: Thierry Mugler Angel, que fundou a categoria do perfume gourmand, e Dolce & Gabanna Light Blue, de grande rastro e impressão seca de âmbar/madeira. Ambos estão eternamente nas listas de mais vendidos e geraram inúmeros filhotes, inclusive entre si e de mesmo pai, como Paco Rabanne Black XS.
Seja na condição rara e anormal de criar uma idéia forte a partir do zero ou apenas “seguir o mercado,” é um perfumista prolífico. O 1 nariz se reuniu com Olivier Cresp em seu escritório, na sede da casa de fragrância Firmenich, nos subúrbios de Paris. É um profissional tímido — a primeira metade da conversa foi ele que me entrevistou –, que não perde o mercado de vista. Ele fala sobre briefings, seu processo de criação e o que é que mata a novidade nos lançamentos atuais.
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A sua relação é diferente com blogueiros e jornalistas?
Eu comecei as entrevistas com blogueiros três ou cinco anos atrás, está muito popular na França. Fiz o lançamento de Nina L’Eau com muitos jornalistas internacionais, inclusive brasileiros. Hoje em dia, sempre que lançamos um perfume internacional nós passamos uma ou duas horas com blogueiros. É divertido, eu gosto da abordagem porque não é como os jornalistas, a sensação é diferente.
Conheço muitos jornalistas bastante bem porque fazemos lançamentos e são quase sempre os mesmos — depois de dez, vinte anos, conheço vários deles. Você pode ter certeza que 80% das perguntas deles vão ser as mesmas, dá para prever as reações deles e eles também conseguem prever as minhas. Quando encontro blogueiros do mundo tenho uma boa experiência. É interessante porque as vezes eles te perguntam sobre a cor do seu escritório ou a luminosidade fora do prédio. O que eu gosto é isso, o olhar não é o mesmo. Eles podem falar com você sobre o perfume, matérias primas, moléculas, mas as vezes eles não falam sobre o meu trabalho, falam sobre alguma outra coisa.
Eu estou vendo o vidro de Flashback ali, que você criou a partir de uma fotografia. Esse foi o briefing mais estranho que recebeu?
Não foi. Eu gosto bastante da abordagem de Flashback, conheço muito bem Céline Verleure [criadora da marca] porque ela trabalhou na Firmenich. Nós trabalhamos juntos criando L’Eau par Kenzo, o masculino e o feminino. Ela me ligou dizendo “eu tenho um briefing para você. É um masculino, quero que você encontre o fotógrafo para se inspirar, vou te mandar a foto, se sinta livre com ela.” Esse foi o ponto de partida.
Tem uma fórmula curta, ela me deu um bom valor para ter qualidade [nas matérias primas]. É baseado em vetiver, com bastante notas amargas como ruibarbo, grapefruit. E funciona muito bem, tem boa aceitação. Claro, não vamos vender milhões de frascos, não é a intenção. Nós nos divertimos muito. Sabe, diversão é muito importante em perfumaria. Diversão, paixão, paciência. Ela gostou, eu gostei, e me ligou outro dia dizendo que ela está bem satisfeita com as vendas.
Como foi o caminho da imagem para o ruibarbo e essas notas amargas?
É complicado, a criatividade é dura, misteriosa, é complicado de explicar… às vezes eu tenho uma idéia que fica na minha cabeça por muitos anos. E de repente no dia seguinte está para explodir, está brotando. Eu não sei porque está brotando e tenho que me expressar numa fórmula.
As vezes pode ter um começo bem figurativo. Andando pelo campo e eu sinto o cheiro de flor de cerejeira, da flor da macieira, um campo de rosa, jasmim ou tuberosa. Então começo de uma idéia de tuberosa, tento pegar o cheiro da flor em alguns experimentos e dessa idéia de tuberosa eu tento acertar a idéia de um feminino. Com boa duração, forte o suficiente. As vezes é mais complicado, eu não sei porque. Pode ser uma ligação entre a flor de cerejeira e o tiaré. Porque eu faço eu não sei. Mas sei que tenho que me expressar, tenho o feeling, a sensação para fazê-lo.
Então qual foi o briefing mais estranho que já recebeu?
As vezes o cliente confia em você, nós somos os profissionais, eles confiam na gente e dizem “é com você” — e eu faço o melhor que posso, um belo floral, o que for. Me viro com a minha cabeça e o meu humor. Mas as vezes podem nos guiar com alguns pedidos especiais e é impossível responder a esse pedido. Por exemplo, eles pedem para recriar a atmosfera de uma mulher caminhando na areia quente. É difícil, é impossível, porque o cheiro da areia, de pedra, é impossível de fazer hoje. Quem sabe a gente descubra moléculas que permitam fazer o cheiro da areia.
Se você tem a mulher caminhando na praia e tem o cheiro do mar, uma brisa de jasmim-manga (frangipani) ou tiaré, isso eu posso fazer. Mas a areia é impossível. As vezes eles dizem “pegue um bloco enorme de gelo e tente colocar esse frescor, esse gelado, no perfume.” É estranho e é impossível. Eu gosto do risco, do desafio, mas é difícil responder a esses pedidos hoje. Normalmente pedem para seguir o mercado porque querem vender, claro.
Sobre a reformulação que você fez para Femme de Rochas, ele foi reformulado por causa de restrições de matéria prima da IFRA? [International Fragrance Association, organismo que regula o mercado de fragrância]
Nossa, faz muito tempo, foi em 1989? Não, eles queriam atualizar, queriam alguma coisa mais jovem com o mesmo espírito, então abriram a concorrência. É a minha versão que está no mercado atualmente.
Como abordar a reformulação de um perfume feito por Edmond Roudnitska, um perfumista tido como mestre?
Eu disse “ok, eu participo somente se Roudnitska não for participar.” Ele estava bastante idoso na época. Me disseram que ele não participaria, eram só os competidores normais . Depois fiquei sabendo que testaram [com um painel de consumidores] algumas fórmulas de Roudnitska e as minhas fragrâncias. Tentei recriar Femme de Rochas com uma fórmula bem curta, minimalista, usando produtos de qualidade com bastante frescor — whisky, especiarias frescas, cominho, bergamota e a melhor qualidade de jasmim.
Estava em Grasse com a minha família, em férias, e recebi a ligação, era o meio de agosto, dizendo que tinha que voltar porque o presidente da Rochas queria falar comigo, que tinha ganhado o projeto. Foi ótimo, um dos primeiros briefings importantes que ganhei.
De onde estão vindo as melhores idéias do mercado atualmente?
A gente consegue prever algumas coisa para os próximos seis, doze meses, mas não conseguimos ver os seguintes. Assim que um perfume está no mercado a gente precisa de uns seis meses para saber se é bem sucedido ou não. Mas sabe, talvez a gente não assuma tanto risco. No mercado de nicho vemos mais gente ousando. Porque quando você vende para o mercado de nicho está falando em cinco, dez mil frascos por ano. Não é muito então o dono da empresa e o perfumista conseguem arriscar bastante. Mas quando eu trabalho para uma grande empresa vendemos 10 milhões de perfumes em três anos. Então ele tem que ser muito feminino, muito elegante, tem que agradar muita gente.
Se eu arriscar demais vai ter muita gente que não vai gostar. Se eu quero ganhar um perfume, tenho que ser muito criativo mas também muito lógico e se eu quero que o meu perfume venda, tem que ser bem feito. É uma mistura de criatividade e segurança.
Do outro lado existe Angel, que você criou, que foi e é muito ousado ainda hoje, muita gente odeia e ele vende muito. Essa ousadia criativa estava lá desde o começo da criação ou foi se desenvolvendo?
Em primeiro lugar não existia briefing. Eles chamaram a concorrência e disseram que queriam algo forte, inovador, e que não testariam o perfume [com um painel de consumidores]. Se Angel fosse testado hoje talvez não chegasse ao mercado. As vezes é o teste que mata os perfumes. Por um lado, eu entendo, nos temos que aprender com o teste, por outro não dá para olhar 100% porque os testes estão matando a criatividade.
Eu lembro quando Vera Strubi era presidente da Thierry Mugler Parfums [ela saiu da empresa em 2007], me disse: “não quero vender meu perfume para 98% dos consumidores, eu só quero atingir 2% da população.” Mas 2% é quase como J’adore, 2% no mundo inteiro você está vendendo 200 milhões de euros.
Que jovem perfumista é talentoso e a gente deve prestar atenção?
Nos temos uma escola na Firmenich com 8 aprendizes, eles ficam lá por 4, 5 anos, então se tornam perfumistas. Tenho certeza que nos próximos dez anos você vai ter bastante gente interessante entre eles. O meu filho Sebastian é um deles, está estudando na Suiça. Em dez anos não estaremos mais no mercado, precisamos de gente nova e renovar.
Entre os formados temos Marie Salamagne, ela foi minha aprendiz há alguns anos, agora está com 35 anos e vai ter muito sucesso.
O que faz um grande perfume?
A idéia. É como uma pintura, se você pegar Picasso, por exemplo, ele tinha idéias incríveis e então tinha o estilo. Idéias com o estilo. Em perfumaria você precisa de idéias malucas e do seu estilo para fazer elas fortes, com boa duração, difusão, etc.
O que faz de um perfume um clássico?
O sucesso, se vende. Se o cliente investe dinheiro, vai ser um sucesso. Angel vai ser um clássico. Light Blue está no mercado há dez anos, é o número dois ou três no mundo, é o perfume mais vendido da P&G, o mais vendido da Firmenich. Agora está se tornando um clássico. Se vende, então vai ficar de verdade.
Qual o cheiro de Paris?
É verdade, cada cidade tem o seu cheiro. Eu diria que é o cheiro iodado do mercado de peixe. A gente não está perto do mar, talvez a gente sinta falta dele e pra mim esse é o cheiro mais importante, de quando a gente anda pelo mercado de peixe. Acabei de voltar de Moscou, lá tem um cheiro aquático, ozônico, porque o clima não é bom. Em Nova York é metálico.
E de São Paulo?
Estive uma vez só mas são frutas tropicais. Andando ao redor da Firmenich eu senti muito cheiro de manga.
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