Passei a última quarta feira, quando escrevi este e-mail, me divertindo com essa brincadeira. Uma escritora listou as fases da vida de quem gosta de perfume, do banheiro dos pais até a iluminação. Lembrei de histórias em cada uma, me identifiquei com quase todas.
Quem escreveu esse mapa do tesouro foi Tania Sanchez. A tradução é minha e foi feita sem pirar muito. Ela fala para meninas, eu troquei o sinal e pensei se fazia sentido na minha vida.
Conto a minha parte embaixo de cada fase, em itálico. E quero muito saber das suas histórias depois.
Fase 1: banheiro dos pais.
Aventuras usando o No. 5 / Miss Dior / Tabu / [insira sua memória aqui] com a porta do banheiro fechada. Acreditar que Old Spice / Brut / English Leather é o odor natural emitido pelo pai depois de barbear, segundo a vontade de Deus.
Eu ia filar English Lavender do pai. Aliás, não me lembro de usar, lembro de ficar hipnotizado com o frasco — um quadrado de vidro afundado no meio, querendo ser uma lente.
Quando iam sair a mãe usava Dune, que nunca gostei por que fazia meu nariz coçar, uma sensação que depois ganhou o nome de rinite. Ou usava Poison. Com esse eu tinha uma relação de amor e ódio, a mesma com o cheiro da dama da noite no verão: socorro, vou morrer pelo nariz. E saia de perto. Depois voltava para me intoxicar de novo. Era amor. Entendo todas as queixas com o Poison: dá dor de cabeça, forte demais, incomoda os outros. Todas procedem. Entendo com a cabeça, meu coração discorda.
Fase 2: ambição e inocência.
Disparada com um perfume dado por um adulto ou comprado na puberdade. Uma coisa sofisticada de um mundo desconhecido de prazeres adultos e/ou um sprayzão animado pra usar de litro.
O primeiro perfume. Ganhado num aniversário (ou no Natal?). Não sei dizer nada do cheiro, não me lembro de usar, era mais uma coisa que ficava no banheiro. Mas lembro perfeitamente do frasco. Verde escuro, fosco. Lembro melhor ainda do toque: tinha textura de camurça, bastante mágico para um objeto de vidro.
Google ajudou a achar o nome: Connexion, do Boticário, que ainda é fabricado. Prometo ir de cotoveleira e capacete fazer essa viagem no tempo. Aguarde cenas do próximo capítulo.
Aí teve o primeiro perfume que escolhi. Tinha 15 ou 16 anos? Aí sim, idolatrado na prateleira do banheiro. Escolhido já adolescente, com a mãe no shopping, no dia que a gente imagina que cresceu.
Meu queridíssimo Body Kouros (Yves Saint Laurent), que ainda tenho metade do frasco. Era usado só “para sair”, época que a gente acha que cresceu. E acompanhou bem até uns 18 ou 19 anos, junto do primeiro porre, quando a gente tem certeza que cresceu.
Isso na era distante em que se fumava em lugar fechado. Body Kouros misturava com respingo de bebida na camiseta, na roupa impregnada de cigarro e na inevitável ressaca em seguida. Enjoei e parei de usar.
Fase 3: flores e algodão doce.
Crença que perfumes femininos tem que ser florais ou igual bala. E que todo resto é uma perversão incompreensível.
Do meu lado teve uma folga de perfumes. Um sabático para o nariz. O Body Kouros ficou no pause e nada entrou no lugar. Até que…
Fase 4: primeiro amor.
Encontro com grandiosidade tocante. Maravilhamento e reverência. Monogamia.
É o perfume que divide a vida em antes e depois. O meu é Bulgari Black. Falava dele para as pessoas, mostrava se elas vinham em casa, me sentia superpoderoso quando usava.
Ainda acho a mistura de baunilha e borracha das coisas mais incríveis e originais que a perfumaria já fez. Fico esperando a temperatura certa — vem, meu outono! — para usar e ser muito feliz. Acho que li assim de canto de olho que ele parou de ser fabricado. Na verdade estou com medo de ter lido, de confirmar, de trabalhar esse luto.
Fase 5: decadência.
Uma ideologia do gosto. Amor pelos peso-pesados ou pelos quase lá. A era dos couros, patchulis, tabacos, ambares. Ou de aquarelas pálidas em tons vegetais. Obsessão pelo que é difícil de achar.
O começo de tudo isso aqui que chama 1 nariz, em 2012. Google desesperado atrás de gente para conversar e alimentar o vício. Agonia para conhecer clássicos de 120 anos e perfumes engraçadinhos feitos numa garagem na Califórnia. Trama internacional para importar matéria prima, para comprar perfume antigo. Recrutamento de mulas para conseguir amostras. Cruzada estética.
Estou aqui mas em recuperação, alguma coisa já ficou para trás. Ainda estou na busca pelo tabaco perfeito e pelo jasmim perfeito — me ajuda?
Fase 6: iluminação.
Ausência de ideologia. Desconfiança do superelaborado, do supercaro e do misterioso. Satisfação pelas coisas como elas são.
Ainda não atingi essa paz. Me reconheço em parte. Sempre desconfiei de tudo que vem com “o mais [insira adjetivo aqui]”, em toda a área, inclusive perfume.
E já estou achando uma perda de tempo cismar com o que é complicado ou caro para comprar. Se não posso conhecer e nem ter, pra que perder tempo?
Essas são algumas histórias minhas nesse assunto que a gente ama — quais são as suas? Em qual ou quais dessas fases você se reconhece hoje? Por quais você já passou? Manda brasa aí nos comentários.