Na rabeira da conversa com Luciana Fróes a respeito do que vinho e perfume tem em comum, quero aproveitar para estender algumas idéias que apareceram em embrião por ali. O que na fragrância é a fórmula, o trabalho do perfumista, ou seja, a combinação de matérias primas que procura a harmonia ou a dissonância, um certo efeito desejado, no vinho se dá no corte — aqui é o talento do enólogo. Mesclando proporções de Cabernet, Merlot e Cabernet Franc por exemplo, o clássico corte de Bordeaux, ele compensa variações ligadas a produção do ano para exprimir algo mais atemporal como o estilo da casa.
Mas é nas palavras para falar de um e outro que esses mundos se unem. Sem palavra, sem nome, não existe idéia ou discussão, não existe pensamento. São descritivos tão objetivos quanto abstratos: pólvora, tâmaras, água de macarrão, um perfume luminoso ou grave e solene como um funeral militar — para diversão do leigo nos dois assuntos. Corre a anedota do cliente ligando a importadora depois de ler a crítica do vinho, que citava cravo, incenso, especiarias: “mas tem tudo isso mesmo dentro da garrafa?” Na garrafa não tem, não, mas no cheiro tem, sim. E isso é demais.
Para citar mais um exemplo: uma das características da uva Riesling, típica da Alemanha, Austria e Alsácia, é a fragrância um tanto oleosa, petrolada. Talvez sem coincidência, o paralelo é com uma casa austríaca de alfaiataria chamada Knize. Nos anos vinte criaram Knize Ten, perfume que combina o clássico couro com uma abertura fantástica de alcatrão, que é parte da composição do asfalto. É um cheiro de lubrificante de motor, de mecânica, de caminhão. Esta semana publico uma resenha sobre Knize Ten, um dos meus perfumes favoritos atualmente.